No drama da dívida soberana, há uma duplicidade em que vale a pena meditar. Refiro-me à das instituições que compõem a troika
de credores internacionais. Essa duplicidade resume-se a uma clara
dissonância entre as proclamações dos dirigentes máximos desses
organismos e aquilo que os técnicos impõem nos países sob auxílio.
Enquanto os dirigentes proclamam que a austeridade não funciona, que se
atingiu o limite do tolerável, etc., etc., etc., os técnicos no terreno
mantêm uma impiedosa agenda de austeridade.
Certamente que os agentes da troika não são um bando de
rapazes mal comportados que desobedecem aos chefes. Apenas cumprem
ordens, e ordens que lhes são dadas precisamente por aqueles que
proclamam os limites da austeridade como estratégia regeneradora de uma
economia. O que se passa, então? Qual a razão de tamanha duplicidade? A
duplicidade táctica utilizada deve-se a um facto que não é notado.
Devido à massiva propaganda a que as pessoas estão sujeitas, pensa-se,
geralmente, que o programa da troika e aquele que o actual
governo lhe adicionou servem para regenerar uma economia que estava em
frangalhos, devido à maldade intrínseca dos povos atingidos pelos
resgates. Na verdade, existe uma agenda oculta, inconfessada e
inconfessável, que tem outros motivos para este tipo de intervenção.
Pretende-se pura e simplesmente destruir as economias existentes,
fundamentalmente, evitar que haja uma recomposição social onde o pilar
central seja a existência de uma ampla classe média. O que está em jogo,
e nunca é confessado, é a destruição das classes médias, a sua
proletarização. A intervenção da troika é o momento ideal para que seja redesenhada a sociedade. Este novo design
pretende aproximar os países europeus dos asiáticos. Sem que as pessoas
compreendam, pois isso é-lhes escondido, ou queiram acreditar, pois
isso é doloroso, o que está em jogo é a aproximação da Europa ao modelo
regulador fornecido pelo Bangladesh.
Como se sabe, as democracias representativas só são possíveis se
fundadas num amplo consenso social. A erosão das classes médias está a
criar um enorme ressentimento social. Não apenas a democracia perdeu o
seu conteúdo (a existência de alternativas reais), como está a alienar a
sua base de apoio. A duplicidade táctica da troika, e do governo
português, não é má apenas porque destrói sem remissão o modo de vida
anterior, mas porque cria as condições para aventuras totalitárias
fundadas no ressentimento das classes médias destruídas.
A classe média nunca aceitou a opção pelo socialismo, porque não se via a si própria como uma classe "consentida", mas sim como uma classe a caminho de ser “ricalhaça”.
ResponderEliminarAgora paga a factura e com juros.
Bom fim-de-semana
Abraço
A classe média - no sentido actual do termo é um lugar de ilusão - embora isso não sucedesse nos tempos em que a denominada classe média era composta pela burguesia ascendente.
EliminarMas ainda agora a processão vai no adro.
Bom fim-de-semana.
Abraço