sexta-feira, 17 de maio de 2013

A duplicidade como método

A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

No drama da dívida soberana, há uma duplicidade em que vale a pena meditar. Refiro-me à das instituições que compõem a troika de credores internacionais. Essa duplicidade resume-se a uma clara dissonância entre as proclamações dos dirigentes máximos desses organismos e aquilo que os técnicos impõem nos países sob auxílio. Enquanto os dirigentes proclamam que a austeridade não funciona, que se atingiu o limite do tolerável, etc., etc., etc., os técnicos no terreno mantêm uma impiedosa agenda de austeridade. 

Certamente que os agentes da troika não são um bando de rapazes mal comportados que desobedecem aos chefes. Apenas cumprem ordens, e ordens que lhes são dadas precisamente por aqueles que proclamam os limites da austeridade como estratégia regeneradora de uma economia. O que se passa, então? Qual a razão de tamanha duplicidade? A duplicidade táctica utilizada deve-se a um facto que não é notado. Devido à massiva propaganda a que as pessoas estão sujeitas, pensa-se, geralmente, que o programa da troika e aquele que o actual governo lhe adicionou servem para regenerar uma economia que estava em frangalhos, devido à maldade intrínseca dos povos atingidos pelos resgates. Na verdade, existe uma agenda oculta, inconfessada e inconfessável, que tem outros motivos para este tipo de intervenção. 

Pretende-se pura e simplesmente destruir as economias existentes, fundamentalmente, evitar que haja uma recomposição social onde o pilar central seja a existência de uma ampla classe média. O que está em jogo, e nunca é confessado, é a destruição das classes médias, a sua proletarização. A intervenção da troika é o momento ideal para que seja redesenhada a sociedade. Este novo design pretende aproximar os países europeus dos asiáticos. Sem que as pessoas compreendam, pois isso é-lhes escondido, ou queiram acreditar, pois isso é doloroso, o que está em jogo é a aproximação da Europa ao modelo regulador fornecido pelo Bangladesh. 

Como se sabe, as democracias representativas só são possíveis se fundadas num amplo consenso social. A erosão das classes médias está a criar um enorme ressentimento social. Não apenas a democracia perdeu o seu conteúdo (a existência de alternativas reais), como está a alienar a sua base de apoio. A duplicidade táctica da troika, e do governo português, não é má apenas porque destrói sem remissão o modo de vida anterior, mas porque cria as condições para aventuras totalitárias fundadas no ressentimento das classes médias destruídas.

2 comentários:

  1. A classe média nunca aceitou a opção pelo socialismo, porque não se via a si própria como uma classe "consentida", mas sim como uma classe a caminho de ser “ricalhaça”.
    Agora paga a factura e com juros.

    Bom fim-de-semana

    Abraço

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    1. A classe média - no sentido actual do termo é um lugar de ilusão - embora isso não sucedesse nos tempos em que a denominada classe média era composta pela burguesia ascendente.

      Mas ainda agora a processão vai no adro.

      Bom fim-de-semana.

      Abraço

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