quinta-feira, 23 de maio de 2013

Poema 66 - Pobre e cego vaticinador

Giorgio de Chirico - O vaticinador (1916)

66. Pobre e cego vaticinador

Pobre e cego vaticinador,
onde estão agora os teus vaticínios?
Levaram-te as entranhas dos animais
e, no céu, os pássaros não voam.

Perdeste a arte do augúrio.
O tempo tornou-se pedra espessa e fria,
e os teus olhos cobrem-se de neblina,
seja negra a noite ou claro o dia.

Grande era o teu império.
Um trono fundado no presente
e de lá afrontavas o que haveria de chegar,
as dores temidas, a alegria ansiada.

Adormeces, agora, no terror do passado,
e se ouves palavras nos teus sonhos,
são barcos carregados de cinza
que entram no porto extraviados.

Um rosto  de água vacila no horizonte,
caminha para ti rodeado de escassez,
e estende as mãos metálicas
para os teus olhos cegos, exaustos de futuro.

4 comentários:

  1. Um Tirésias cansado. Uma beleza, Jorge, e é particularmente feliz o último meio verso "exaustos de futuro". Como todos, até como os de Cassandra que não eram cegos.

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  2. Um belo -triste- poema.
    "Viver sempre também cansa" e o mundo não se modifica...

    Abraço

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    Respostas
    1. Obrigado, JRD. O que cansa não é que o futuro nos traga a morte. Isso faz parte do jogo. O que tornou cansativo o futuro foi que dele só se pode esperar o pior. A aniquilação da esperanção. Não, o pior foi a confiscação da esperança por parte de um pequeno grupo.

      Abraço

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