Giorgio de Chirico - Os arqueólogos (1927)
67. O arqueólogo senta-se com o passado ao colo
O arqueólogo senta-se com o passado ao colo,
embala-o docemente no ondear do tempo
e espera que adormeça ao cair da noite,
deixando na casa perfumes de rosa e almíscar,
o hálito transbordante da terra escavada,
pedras e rugas tecidas por hábeis tecedeiras.
Senhor de tanta sabedoria, olha o fundo da terra
e espera na revelação de um fragmento de sílex
o cântico da luz a explodir entre saibros e argilas.
Grande é o profeta que perscruta o que passou,
as entranhas fluidas tragadas pela memória,
os traços de musgo incendiados sobre o mar.
A doce harmonia da terra e do escavador,
o prazer de descer ao fundo do corpo amado,
traçar de cada estrato um mapa de seda e sémen,
e com mãos vazias de amante puro e incansável
recolher lento os vestígios do longo amor,
traços de sangue na fria seta da vida apagada.
"Grande é o profeta que perscruta o que passou", gosto muito deste verso, Jorge. O teu vaticinador cego e teu arqueólogo com a casa a rescender a rosa e almíscar não diferem, afinal, um do outro. Escavam o tempo.
ResponderEliminarSim, são escavadores do tempo, figuras metafísicas, na verdade.
EliminarAinda e possível pegar no passado ao colo, já que o futuro, esse, vai ser demasiado pesado.
ResponderEliminarAbraço
Sim, o futuro vai ser pesadíssimo.
EliminarAbraço
Amei o seu poema, e vou inclusive, usá-lo, se você não se importar, como parte de um trabalho sobre arqueologia ;-)
ResponderEliminarNão me importo desde que sejam feitas as devidas referências, claro. Também gostaria de saber quem é o utilizador.
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