Hein Semke, Uma vista de Lisboa, 1957 (aqui) |
Profícua luz com que a tarde
cai.
No ruído entretecido de
silêncio, há,
pela cânfora das avenidas,
vultos viandantes, aves bêbadas
poisadas na fímbria das ruas.
O deus, aos corações, dardeja
e sentado pelos bancos vê
passar,
na pressa que à noite o dia deu,
raparigas fanadas de seios
ligeiros,
flocos de espuma, sangue a arder.
Animais pelo Rossio a bramir.
Nas ruas que para o Tejo caem
avisto barcos lêvedos a minguar,
o oceano da terra os atrai.
Do chão os olhos erguem-se,
anseiam no céu o motim fecundo.
Onde os meteoros soçobram,
prendem-se astros incendiados,
luas acesas pela vertigem
na cidade em delíquio caem.
A inconstância a tudo toca,
e em teus dedos as paredes de
cal
são planícies de cinza e carvão,
ruelas de sombra e sono,
vozes roucas se cantam.
Terríveis nuvens nos céus.
Homens sóbrios marcham,
a cegueira tão cega os
alevanta.
Não há navios no cais,
nem cães perdidos na memória.
(2006)
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