Esta arbitrariedade que une Woody Allen e os antigos, foi pressentida a partir do início da Idade Média, como irracional. A primeira forma de racionalização é a leitura da sorte não como o fruto do acaso, mas de um plano providencial de Deus para os homens. A inexplicabilidade da sorte ou do azar encontravam uma razão na vontade oculta de Deus. A certa altura do desenvolvimento das sociedades modernas, sob a influência do liberalismo, a sorte e o azar passaram a ter outra forma de racionalização e explicação: o mérito ou a falta dele. É o mérito que explica o facto de uns serem ricos e outros pobres. Uma vida conseguida é vista, por aqueles que triunfaram, como fruto do seu mérito e não da sorte ou de um plano divino. A isto chama-se, no jargão corrente, meritocracia, o poder daqueles que têm mérito.
O filósofo
Michael Sandel, na sua análise do efeito corrosivo que a meritocracia tem na
sociedade, chama, também ele, a atenção para o papel da sorte. Imagine-se o
caso de Cristiano Ronaldo. Talentoso, trabalhador, disciplinado, o protótipo do
mérito e não o resultado da sorte. Sandel faria a seguinte pergunta: e se
Cristiano Ronaldo tivesse nascido, com todas essas qualidades e talentos, num
mundo onde o futebol não fosse apreciado? Percebe-se que a narrativa
meritocrática é, no mínimo, exagerada. Mesmo o talento e a força de vontade são
mais herdados do que fruto de cada um. Isto não significa que se justifiquem
sociedades igualitárias, mas que devemos tentar encontrar soluções que
equilibrem as sociedades, evitando criar uma muralha entre aqueles que têm a
sorte de ter as qualidades valorizadas num certo momento e os que não têm essa
sorte, entre os que parecem ter mérito e os que parecem não o ter.
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