sexta-feira, 7 de junho de 2013

O mar ou a Europa?


O lançamento do livro Segurança e Defesa Nacional - Um Conceito Estratégico foi ocasião para que ressurgisse uma velha polaridade da nossa política externa. Deveremos dar mais atenção ao europeísmo ou ao atlantismo? A questão não se liga apenas à política externa ou à segurança militar. Durante séculos, provavelmente desde Afonso V, o horizonte político português foi pouco voltado para a Europa. A situação geográfica faz de nós periféricos relativamente à Europa, cujo centro, apesar das conquistas tecnológicas e do progresso dos transportes, está, espacial e culturalmente, distante de Portugal. Mais do que os Pirenéus, a árida planície manchega constituiu e constitui um obstáculo psicológico à nossa plena integração na Europa. 

Ramalho Eanes afirmou que foi um erro apostar tudo na Europa, fazer dela o nosso projecto nacional. Luís Fontoura e o almirante Vieira de Matias apontaram para o mar como o grande desígnio nacional. Independentemente dos argumentos que europeístas e atlantistas possam apresentar, a discussão pode ter um efeito absolutamente negativo, se funcionar como factor de ocultação daquilo que é verdadeiramente problemático. Independentemente da orientação para o mar ou para a Europa, o essencial passa-se dentro de portas. 

Portugal enfrenta quatro problemas gravíssimos. Em primeiro lugar, como tornar a nossa sociedade mais dinâmica, com mais iniciativa e mais competitiva? Em segundo lugar, como reconstruir o consenso nacional que o actual governo está a destruir, para que todos se sintam parte integrante de Portugal e queiram participar de boa-fé na vida social e comunitária? Em terceiro lugar, como reformar o sistema político para evitar o caudal de abusos, delírios e megalomanias que ajudaram a colocar Portugal na triste situação em que está? Por fim, mas talvez o mais importante, como enfrentar a dramática crise demográfica? Estes quatro problemas deveriam ocupar o lugar cimeiro nos debates da esfera pública. Nenhum deles, salvo numa ou noutra intervenção, parece preocupar os comentadores e os agentes políticos. Mesmo a questão da competitividade só é encarada como motivo para destruir os consensos sociais e fragilizar, ainda mais, a parte fragilizada, cada vez mais volumosa, da sociedade portuguesa. 

Julgar que o desatino em que vivemos se deve a uma opção estratégica errada é tapar o Sol com uma peneira. Se não pensarmos e agirmos com determinação naquelas quatro áreas, bem nos podemos voltar para o mar, ou para a Europa, ou para o Céu, ou para o Inferno. O resultado será sempre um inominável infortúnio e uma crescente miséria.

8 comentários:

  1. Tenho algumas reservas relativamente à opção atlantista. Creio que é tarde.
    Para que serve pôr a navegar uma Jangada de Pedra sem "ninguém" dentro?
    Abraço

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    1. Na verdade, é irrelevante a opção. A coisa nunca vai ter um módico de dignidade. Afundarmo-nos no mar ou morrer ao sol a caminho da Europa, é indiferente. A doença, no entanto, está cá dentro, mas ninguém a quer tratar, toda a gente vive dela.

      Abraço

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  2. Nunca me consigo render ao pessimismo. Acho sempre que é possível dar a volta a isto.

    Acho que Portugal é feito de gente que se mobiliza com uma facilidade espantosa. E é gente honesta, bondosa, trabalhadora. É muito fácil trabalhar com os portugueses. Tornar a economia competitiva depende de haver um clima de confiança (e alguma estabilidade fiscal... - esta instabilidade que estamos a viver é um pesadelo para as empresas) e um rumo minimamente consistente.

    Também é indispensável reverter urgentemente a queda demográfica. Mas isso só depende da economia. Quer através de nascimentos, quer de imigração, também é relativamente fácil agir sobre isso. Tem é que haver crescimento económico.

    Crítico, crítico mesmo é conseguir afastar este rebotalho que se instalou no regime: a mediocridade aflitiva da maioria dos deputados, dos ministros, dos secretários de estado e de toda a corte que rodeia esta gente e que vem dos partidos está a minar a viabilidade do País. Dão cabo de tudo, fazem tudo ao contrário, são estúpidos, desacreditam a confiança que é indispensável ao desenvolvimento.

    Havendo gente inteligente, bem formada, com mundo, com visão, com sentido de estado à frente dos lugares chave do país, é relativamente fácil imprimir um ritmo positivo, apostar no ensino, na investigação, na cultura, pôr a máquina em movimento. O resto vem por acréscimo.

    Mas como é que se vai conseguir limpar esta praga que parece ter tomado conta dos partidos...? Isso é que eu não sei. Mas é capaz de também haver uma solução.

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    1. Estou de acordo com muito do que escreve, mas continuo a não ter qualquer motivo para o optimismo. E o problema surge numa coisa que escreve. Está no rebotalho que se instalou no regime. Ele mina tudo, toma conta de tudo, é um cancro disseminado em todos os órgãos do corpo social. Veja o poder das autarquias, como em cada concelho (menos em Lisboa e Porto, por serem demasiado grandes) elas têm um poder tão grande que controlam tudo o que mexe e respira. Sabe, eu nem nas empresas privadas acredito que tenham - pelo menos muitas delas - capacidade para serem livres. Quantas vezes, ao contratar uma pessoa, optam por alguém que é pior só porque foi recomendado por outro alguém que tem poder? O país está doente, muito doente. O rebotalho é poderosíssimo. Cada vez mais duvido que haja cura.

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  3. Trabalho numa empresa privada (ou melhor, num grupo). As admissões são quase todas feitas através de um processo de selecção que não passa por cunhas. Apenas para a administração não é assim pois obviamente são lugares de confiança, escolhidos por convite pelos accionistas ou seus representantes. Mas para todos os outros lugares incluindo os de direcção ou coordenação, há selecção rigorosa. Aliás, estive a pensar e, que me lembre, nos últimos tempos, das várias admissões, apenas uma veio através de recomendação mas, ainda assim, passou pelo processo de selecção. E já apareceram recomendações que não foram atendidas de todo.

    Já participei em alguns desses processos (quando se trata de pessoas para trabalharem na minha área) e o crivo é rigoroso.

    E, quando digo rigoroso, não é que se exijam provas complicadas. Muitas vezes, para além da selecção prévia através do cv, o que há são apenas entrevistas, umas versando alguns aspectos técnicos e, a seguir (ou antes, tanto faz) aspectos sobretudo comportamentais.

    Creio que o problema não está nas empresas privadas, em particular nas grandes, onde há profissionalismo. Talvez nas empresas pequenas, nas familiares, aconteçam as cunhas. Nas grandes isso será a excepção.

    A questão não está aí. A questão está nos decisores políticos que tomam medidas desastrosas, medidas como as que este governo toma e que assassinam a economia e destroem tudo (porque não havendo uma economia a funcionar, falha, em dominó, tudo o resto, todo o estado social, toda a confiança no futuro, a demografia).

    Hoje estive numa reunião em que depois estive a falar com a presidente de um Instituto Público, pessoa competente, esforçada, entusiasmada com o que faz e orgulhosa por ser funcionária pública. Mas o que ela tem penado... O que relata é assustador. Este Governo faz coisas que comprometem todos os avanços dos últimos anos, afastam gente competente (os mais jovens emigram) comprometendo o futuro. As consequências não são facilmente reversíveis.

    Nas autarquias mais pequenas imagino também a indigência política e o que isso infecta todo o funcionamento de uma pequena comunidade.

    O que me preocupa é, de facto isto: como é que se pode fazer uma limpeza nos partidos, afastar os incompetentes e ignorantes, oportunistas, videirinhos? Será isso possível? Poderá acontecer uma coisa como na Igreja em que, de repente, parece que as pessoas que são escolhidas são todas tão diferentes das anteriores? Não sei mesmo.

    E, se penso nisso, também fico um bocadinho pessimista...:))

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  4. "O que me preocupa é, de facto isto: como é que se pode fazer uma limpeza nos partidos, afastar os incompetentes e ignorantes, oportunistas, videirinhos? Será isso possível?"

    A minha resposta: não pode.

    Depois, a Igreja tem duas vantagens terríveis. Dois mil anos de história e a ajuda do Espírito Santo. Tanto quanto sei, o Espírito Santo interessa-se pouco pelas maquinações das "jotas" e pelas "bases" dos partidos que assaltam as autarquias e servem de rampa de lançamento para o chefe chegar a secretário de estado ou a deputado. Julgo que nem a mediação de Cavaco levaria a Senhora de Fátima a meter uma cunha ao Espírito Santo para limpar o território de tal rebotalho.

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  5. Um pessimista com sentido de humor é uma mistura engraçada. Já me ri com o que diz.

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    1. Um pessimista sem sentido do humor acaba mal e depressa. Rir é um excelente dissolvente universal.

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