quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

A constituição e o parlamento


Dois episódios tornam manifesto o perigo que ronda as democracias. Nos EUA, o incansável Donald Trump veio reivindicar o fim da constituição americana. Apesar de ter recuado, o importante é que se viu o que lhe ia na alma. Na Alemanha, a polícia deteve 25 membros de um grupo radical de extrema-direita, composto por saudosistas do império, adeptos das teorias da conspiração e os inevitáveis neonazis. Preparavam um ataque armado ao parlamento como caminho para a subversão da ordem constitucional. Nestes eventos, os alvos são os dois principais símbolos da vida civilizada e da coexistência pacífica entre pessoas com projectos de vida e crenças diferentes. O que está em causa é a constituição e o parlamento. É neles que se concentra o ódio dos que querem destruir os regimes democráticos e o Estado de direito.

O que significa abolir uma constituição? Significa abolir as regras fundamentais que orientam a vida em sociedade e o documento que estrutura não apenas o poder político, mas também os limites a que esse poder deve obedecer. É esta limitação do poder, é este freio à discricionariedade de quem o ocupa, ou pretende ocupar, que irrita muita gente que pensa ter chegado a altura de se retornar ao absolutismo, agora, porém, sem monarcas por direito divino, mas com um qualquer trampolineiro que consiga cavalgar a onda de irracionalidade que atinge parte dos eleitores. O que disse Trump é uma confissão do que lhe vai na alma. Compreendeu que a existência de uma constituição escrita é um obstáculo não só para o seu desiderato de ocupar o poder de qualquer forma, mas também para a pretensão de nele fazer o que desejar. Sem constituição qualquer cidadão fica nas mãos do déspota do momento.

É também sintomático o desejo de atacar o parlamento alemão. Todos os que odeiam a democracia têm por um dos alvos predilectos o parlamento. Por vezes, ingenuamente, as pessoas reduzem o parlamento à sua função mais notória, a de produzir a lei. Ora, o parlamento é muito mais do que isso. É o lugar onde os representantes eleitos dirimem, através das palavras e segundo regras estipuladas a priori, os conflitos que existem dentro da sociedade. Em vez de as pessoas se matarem entre si, elegem representantes para que estes discutam de modo civilizado. O parlamento está no lugar da guerra civil ou da ditadura, que é uma forma de guerra civil, em que uma parte tem as armas e a outra está desarmada. São estes dois pilares do Estado de direito e da democracia liberal que os extremistas pretendem destruir, para poderem submeter as pessoas ao seu arbítrio.

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