sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Meditações melancólicas (90) O coração das trevas

Albert-Edouard Drains, Éclaircie, 1897

Paulatinamente, a irracionalidade vem tomando conta do mundo ocidental. O Público noticia que os cépticos das alterações climáticas estão a invadir o Twitter, enquanto os cientistas o estão a abandonar. Adeptos das teorias da conspiração, negacionistas de múltiplas cores, extremistas políticos, paranóicos de diversas calibres, toda essa gente existe há muito. Contudo, não eram mais do que grupúsculos exóticos, marginais e que, na verdade, quase ninguém levava a sério. Eram uma espécie de enfeites de Natal das sociedades. Ora, o advento das redes sociais abriu-lhe uma janela de oportunidade. Não se fizeram rogados. Perceberam muito depressa que um discurso simplista e assertivo encontraria adeptos, muitos adeptos, gente incapaz de lidar com a complexidade do mundo, gente disposta a desconfiar de tudo e mais alguma coisa, gente mergulhada no ressentimento. E aquilo que era uma manifestação folclórica está a tornar-se uma pandemia, cujos alvos são os valores herdados do iluminismo, como se o velho coração das trevas tivesse sido reanimado e, ao pulsar, mostrasse que o que parecia morto está, afinal de contas, vivo, demasiado vivo.

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