sábado, 3 de dezembro de 2022

Jogos com a liberdade


1. Contestação de regimes autoritários. Apesar do fascínio que as soluções autoritárias têm sobre parte dos eleitorados europeus, tem-se assistido, nas últimas semanas, a forte contestação de duas das maiores tiranias existentes no globo. A política de COVID zero adoptada pelo regime chinês estará a quebrar o apoio popular que este tem recebido. A China é, nos dias de hoje, um regime distópico, fundado numa vigilância social inimaginável pelos ocidentais. Há, contudo, muita gente a arriscar a vida em protestos. Por seu turno, o regime teocrático iraniano, depois do assassinato de uma jovem, sofre uma contestação de grande envergadura. A forma como as mulheres são tratadas é a motivação que está na base das exigências democráticas. Não é plausível que qualquer dos regimes caia, mas apesar do controlo social neles existentes, as pessoas não deixam de aspirar à liberdade.

2. Perigo presidencialista (1). A abertura de um processo de revisão constitucional traz com ele a manifestação de um desejo, de certos sectores políticos, de pôr em causa o regime político português. Num primeiro momento, visa-se, com o aumento tanto da duração do mandato do Presidente da República como dos seus poderes, virar o regime para o presidencialismo. Uma espécie de nostalgia do sidonismo da primeira República. Num segundo momento, pretende-se a completa subversão da Constituição e a destruição do regime de democracia liberal nascido com o texto constitucional de 1976, para levar o país, de forma paulatina, em direcção a um regime autoritário. Não é plausível que isso aconteça no processo de revisão agora aberto, mas não deixa de ser sintomática a existência de projectos para subverter a Constituição e destruir a liberdade.

3. Perigo presidencialista (2). Apesar do Vice-Almirante Gouveia e Melo afirmar que não pretende entrar na vida política, percebe-se a existência, em largas camadas do eleitorado, de uma disponibilidade para apoiar a sua candidatura à Presidência da República. Esse eleitorado quer Gouveia e Melo por ele ser um competente homem de acção. Ora, do ponto de vista constitucional, os Presidentes da República têm pouco poder de acção. A situação apresenta duas vertentes desagradáveis. Por um lado, mais uma vez, a nostalgia do sidonismo ou o desejo de um homem forte. Por outro, caso Gouveia e Melo concorra e seja eleito, a possibilidade de um conflito persistente entre um Presidente, que será eleito para agir, e as regras constitucionais que concentram parte substancial da acção política no governo e no parlamento. Um conflito que poderá dilacerar o regime democrático e destruir as liberdades.

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