O futebol é um desporto que exerce enorme fascínio sobre os cidadãos. Nele existem duas características que marcam as sociedades actuais. Por um lado, representa, ao seu mais alto nível, uma exemplificação das sociedades de mercado alicerçadas no mérito dos concorrentes. O futebol é um exemplo da meritocracia que o pensamento liberal julga dever ser uma característica central das relações humanas. Tudo no futebol é concorrência e ganham os que tiverem mais mérito. Esta faceta liberal do futebol, todavia, combina-se com uma outra muito pouco liberal, o tribalismo. Este tribalismo tem duas facetas. O tribalismo clubista, onde as tribos de diversas cores se defrontam, e tribalismo nacionalista. Em alguns países este tribalismo é o único lugar onde o nacionalismo se manifesta. Noutros, será uma ostentação da patologia nacionalista reinante.
Esta combinação
de meritocracia liberal e de tribalismo nacional não é apolítica. Pelo
contrário. Marcelo Rebelo de Sousa – assim como Augusto Santos Silva e António
Costa – agem por interesse político. O futebol mobiliza demasiadas paixões,
para que os políticos tenham coragem de afirmar aquilo que deveriam afirmar:
que o futebol, na sua organização internacional, deve ser penalizado pela
escolha feita. Os agentes políticos democráticos deveriam não só excluir a sua
presença nos jogos, como terem uma atitude crítica sobre a realização do
Mundial nas circunstâncias que se conhecem. Contudo, o interesse político local,
a necessidade de não perturbar os eleitores com coisas desagradáveis e de
confrontá-los com o irracional da sua paixão, leva a que um Presidente de um
país democrático diga, sem pudor, “enfim esqueçamos isto”. Para que a bola role
sem perturbação, há que limpar a memória. Talvez mesmo formatar o disco onde estão
guardados os direitos humanos.
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