sexta-feira, 18 de julho de 2025

Crimes: aparências e realidade


Um estudo, proveniente do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES, mostra que a criminalidade desceu em Portugal nos últimos 25 anos. Contudo, a percepção de insegurança cresceu bastante. Um dos factores que desencadeia essa falsa percepção é a atenção mediática dada ao fenómeno do crime. A forma como jornais, rádios e televisões tratam do assunto é cada vez mais intensa, criando no público uma sensação contrária à realidade. Sabemos que, durante o regime de Salazar e Caetano, a censura era muito grande em relação à criminalidade. O regime protegia-se, ocultando tudo o que pudesse mostrar como falsa a visão de um país sereno e de brandos costumes. Em democracia, uma parte, cada vez maior, dos órgãos de comunicação encontrou no crime um espaço noticioso preferencial.

Existem duas grandes motivações por detrás deste interesse pela criminalidade. Uma estará ligada à lógica de mercado: o crime dá audiências na televisão e tiragens na imprensa. É o mercado a funcionar. As pessoas interessam-se por esses acontecimentos e o mercado satisfaz-lhes os desejos. A segunda motivação é de natureza política. Assim como os dirigentes do Estado Novo temiam que a criminalidade do país estragasse a imagem do regime, também os inimigos da democracia liberal utilizam a percepção da criminalidade como estratégia para desgastar as instituições democráticas. Fomentam um enorme alarido social em torno da segurança, quando o país é um dos mais seguros do mundo. Mesmo para um observador arguto, nem sempre é fácil distinguir, na exploração dos crimes, entre a motivação económica e a política.

Durante muito tempo, foi vital para as democracias liberais a existência de uma esfera informativa livre, onde a concorrência de ideias, para alimentar o debate em torno do bem comum, se podia expressar sem censura. Essa esfera tornou-se, agora, num dos elementos centrais da guerra contra a democracia. A criação de falsas percepções no público tem um efeito arrasador das instituições e está a alimentar o progresso eleitoral da extrema-direita. Isto não significa que não existam órgãos da comunicação social que tentam fazer um trabalho responsável. Existem. Contudo, a cultura instalada por parte significativa dos media está a tornar os cidadãos pouco permeáveis à verdade, preferindo as aparências à realidade. Salazar dizia que, em política, o que parece é. Os seus admiradores não esqueceram a lição: criam a aparência de um país à beira do caos, para as pessoas crerem que assim é e se entregarem nas mãos do salvador de serviço.

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