Não se pense, todavia, que o interesse do romance reside nas
suas implicações políticas. Estas são um meio para atingir um fim: a análise do
papel do ressentimento na subjectividade moderna. A obra é uma exploração da
consciência de Theodor Lohse, um tenente desmobilizado do exército alemão, a
análise da tensão entre os desejos que acalenta e a realidade que é a sua. O
espaço que existe entre ambos é o solo onde o ressentimento vai crescer. A
limitação que o caracteriza não lhe permite confrontar-se consigo mesmo,
perceber quais são, no âmbito de uma moralidade saudável, as suas forças e as
suas possibilidades. É ela – a limitação – que o conduz a odiar os judeus, os
socialistas, os movimentos operários. São, para Theodor Lohse, os culpados da
sua situação. O outro não o interpela no sentido do respeito, mas é aquele que o
impede de ser aquilo que deseja ser. O ressentimento nasce, assim, para
utilizar uma expressão do campo da psicanálise, de uma ferida narcísica.
Esse narcisismo dilacerado, turbilhonado pelo ressentimento,
transforma-se num duplo egoísmo: o pessoal e o nacional. O protagonista
principal é um nacionalista, pois a sua ferida narcísica é também a de uma
Alemanha ressentida, derrotada na Grande Guerra de 1914-1918, submetida ao jugo
do Tratado de Versalhes pelas potências vitoriosas. O romance permite perceber
que o nacionalismo é um narcisismo colectivo. Imerso nesse ambiente, Lohse, na
ânsia de encontrar uma autonomia – isto é, poder e dinheiro –, põe em acção todas
as características que marcam o jovem europeu de então. Não apenas o egoísmo e
o nacionalismo, mas também a falta de fé, a ausência de lealdades e a sede de
sangue. Para subir, não hesita em assassinar os que estão acima de si na
hierarquia. O ressentimento é o combustível para as maiores degradações morais.
O título A Teia de Aranha (Das Spinnennetz) é
uma imagem tanto da situação em que a Alemanha vivia durante a República de
Weimar, como das pretensões do protagonista. A derrota alemã e o fim da
Monarquia tinham atirado o país para uma enorme teia de contradições, de
interesses, de agitações políticas, de frustrações sociais, onde elites
corruptas vicejavam e tentavam controlar, em seu favor, a situação. Também o
protagonista se imaginava a aranha que tece a sua teia, onde os incautos vão
caindo, enquanto ele se fortalece ao devorá-los. No entanto, a sua limitação
não lhe permite perceber que ele próprio é uma mosca em teias que outros tecem,
como o espião judeu Benjamin Lenz e a própria mulher Elsa von Schlieffen. Lenz
é um niilista e odeia tudo: a Europa, o Cristianismo, os judeus, os monarquias,
as repúblicas, a Filosofia, os partidos, os ideais, as nações. É superiormente
dotado e manipula tudo e todos. Espia para Lohse, espia para os comunistas,
espia para a polícia. O dinheiro que ganha com isso nem é para ele, envia-o
para a família. O seu prazer é, parecendo irrelevante, ser o manobrado central.
É ele que promove Theodor Lohse, que lhe apresenta as pessoas certas, que o faz
ter o nome nos jornais, que lhe apresenta a mulher, uma jovem aristocrata já
sem dinheiro, mas com ambições e saber manipulatório suficiente para, obedecendo
em aparência ao carácter autoritário do marido, o conduzir na ascensão social e
política.
Beneficiando, da sua experiência de jornalista de grande
talento, Joseph Roth retrata, com profundidade, a situação social da Alemanha.
Fá-lo, adoptando as orientações estéticas da nova objectividade que
tinha surgido em conflito com o expressionismo, como superação de uma visão
hiperbólica da dimensão sentimental. Theodor Lohse, Benjamin Lenz e Elsa von
Schlieffen são, ao mesmo tempo, personagens credíveis na sua singularidade e
arquétipos ideais. Theodor Lohse encarna o autoritário protofascista. Benjamin
Lenz, o judeu desenraizado. Elsa von Schlieffen, a aristocrata derrotada pelo
empobrecimento da família e o fim da Monarquia, mas ambiciosa por retornar ao
centro do poder. Se há, porém, um traço que os une é o niilismo. Este
alimenta-se de uma enorme gama de inclinações: o ressentimento, o narcisismo, a
ambição, o desejo de manipular, a vontade de poder. E é isso que Roth mostra,
não sem uma funda ironia narrativa, numa Berlim à deriva, num mundo onde ordem
e desordem se confundem.
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