![]() |
Jean-Michel Basquiat, Riding with Dead, 1988 |
Kyrie Eleison
quarta-feira, 28 de maio de 2025
Partido Socialista - uma pulsão de morte
segunda-feira, 26 de maio de 2025
Simulacros e simulações (73)
sábado, 24 de maio de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (13)
quinta-feira, 22 de maio de 2025
Beatitudes (80) Poente
![]() |
William Gordon Shields, Sunset on New York Bay, 1915-20 |
terça-feira, 20 de maio de 2025
Abandonados pelo voto popular
![]() |
Camille Pissarro, Fiesta en la ermita, 1878 |
Um dos dados mais importantes das eleições de domingo foi o
abandono da esquerda pelo voto popular. Os resultados são aterradores para os
partidos tradicionais de esquerda. Não apenas porque, no conjunto, estão
reduzidos no número de deputados – 68 em 230, mas porque o eleitorado que os
abandonou muito dificilmente retornará. Parte substancial do eleitorado do
Chega (isto já tinha acontecido nas eleições do ano passado) vem da esquerda.
São pessoas que estão revoltadas com a sua situação social e cansaram-se tanto
do reformismo socialista como da retórica revolucionária do Partido Comunista e
do Bloco de Esquerda.
Não querem saber de transformações colectivas, nem da luta
dos trabalhadores ou das minorias. O centro do seu interesse político é a sua
vida. Votaram no partido que imaginam dar corpo à sua revolta. É uma esperança
do desespero. Imaginaram, durante muito tempo, que seria a política de esquerda
que levaria o Estado a resolver os seus problemas. Como o Estado é impotente
para o fazer, pois cada um depende de si mesmo, mudaram não o modo de pensar,
mas o sentido de voto. Tornam a imaginar que um partido ou o seu líder lhes resolverá
o problema. É uma ilusão que levará tempo a ser desfeita.
domingo, 18 de maio de 2025
Falando de democracia
O filósofo norte-americano David Estlund, numa resposta à ideia de um regime epistocrático (um regime onde o governo estaria na mão dos sábios), argumenta que a participação colectiva produz, tendencialmente, melhores resultados do que uma governação de peritos isolados. Há em Estlund uma aposta razoável na competência da comunidade em fazer escolhas. Contudo, esta aposta tem um problema. Ela é, na verdade, baseada numa apreciação empírica das democracias. Não há uma relação necessária – e a priori – entre decisão colectiva e boa decisão. Podemos mesmo estar a entrar numa fase em que, devido à grande complexidade da vida social, as comunidades, movidas pelo sentimento, a emoção e o ressentimento, façam escolhas péssimas. Os primeiros tempos da nova administração Trump parecem dar argumentos a esta visão. Assiste-se, nos dias de hoje, a verdadeiros testes a essa sabedoria colectiva. E não é líquido que ela tenha nota positiva.
sexta-feira, 16 de maio de 2025
Um novo Papa
O Sumo Pontífice não é apenas o sucessor de Pedro. Este,
além de uma pessoa, é uma função. Por isso, qualquer Papa é, de novo, Pedro, a
pedra sobre a qual o Cristo edifica a sua Igreja. Se olharmos para os textos
evangélicos, encontramos dois episódios centrais para compreender esta função
entregue a um ser humano. Em primeiro lugar, o reconhecimento. A função petrina
é instaurada após a pergunta de Cristo: Quem dizeis vós que Eu sou? E
Simão Pedro responde: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo. Contudo, a interpretação
deste episódio não pode ser desligada da leitura de um outro: o da tripla
negação de Cristo por Simão Pedro, na noite em que Jesus foi preso pelos
poderes deste mundo e a sua Paixão era iminente. Qualquer Papa vive na tensão
entre o reconhecimento de Cristo e a negação desse reconhecimento perante o
perigo. Essa negação é, na verdade, a condescendência submissa aos poderes
deste mundo.
As tentações conservadoras e progressistas dos Papas são as
três negações de Pedro, no mundo moderno, perante a proximidade da Paixão do
Mestre. São a cedência aos poderes do mundo, às suas paixões políticas e ao
temor perante o significado da Paixão crística. Isto não torna os Papas
heréticos. Mostra-os, à semelhança de Pedro, como homens frágeis perante um
acontecimento que ultrapassa a compreensão humana. A função papal inclui, deste
modo, o reconhecimento de Cristo como Filho de Deus, mas também a negação de
que se pertence ao seu mundo. João Paulo II é louvado pela sua luta contra o
comunismo; Francisco, pela sua denúncia da injustiça social. Ora, em ambos os
casos, isso constitui a fraqueza perante a Paixão eterna do Filho de Deus. É a
sua negação. Contudo, esta negação não ofusca o essencial: a resposta à
pergunta Quem dizeis vós que Eu sou? Na economia da crença católica, o
Papa é o que diz: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo.
quarta-feira, 14 de maio de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (12)
segunda-feira, 12 de maio de 2025
Simulacros e simulações (73)
![]() |
Eduardo Anahory, sem título, 1983 (Gulbenkian) |
sábado, 10 de maio de 2025
Prosa dos dias (32) Coroação
![]() |
Hans Baumgartner, Der Milchmann. Zürich, 1938 |
quinta-feira, 8 de maio de 2025
Um novo Papa
terça-feira, 6 de maio de 2025
Faça a sua enciclopédia
domingo, 4 de maio de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (11)
sexta-feira, 2 de maio de 2025
Educação e Inteligência Artificial
Qual é o
solo a partir do qual pode florescer a inteligência crítica, qual é a terra que
é preciso não descurar na educação, para que a planta se desenvolva e floresça?
Esse solo são as velhas competências da memória e da sistematização da
informação (a sua classificação e organização). Se esse solo não for cuidado,
toda a semente lançada nele morrerá. Isto não significa que métodos arcaicos de
ensino sejam a solução. Significa outra coisa: é necessário que os responsáveis
pela educação e os professores encontrem a melhor maneira de trabalhar o
desenvolvimento dessas competências básicas. O importante não é se a
metodologia é nova ou tradicional, mas que funcione, que conduza os alunos a
fortalecer os processos ligados à memória e à sistematização.
Se a
informação sistematizada pela IA se encontra à distância de um prompt (a
questão posta ou tarefa pedida à IA), as novas gerações necessitam de
desenvolver, para além das competências tradicionais, outras bem mais complexas.
Precisam de aprender a interrogar a IA, de cultivar competências
lógico-matemáticas e de avaliação crítica da informação gerada, bem como de
fomentar a capacidade de articular dados para resolver problemas práticos ou
cognitivos. Precisam de ser activos na relação com a IA e não receptores
passivos — caminho certo para a estupidificação. O novo ambiente gerado pela IA
não vem substituir o esforço dos alunos. Vem exigir mais esforço no
desenvolvimento das competências básicas e no das mais elevadas. Ambas têm de
ser mais sólidas. O caminho será compatibilizar o desenvolvimento das
competências básicas da memória e da sistematização com as mais exigentes do
pensamento crítico e reflexivo. A IA não veio trazer o descanso, mas um esforço
mais complexo e profundo na aprendizagem. Só sobreviverá quem se tornar mais
inteligente, não menos.
quarta-feira, 30 de abril de 2025
Cadernos do esquecimento 56 Gramática
![]() |
Fred Kradolfer, sem título, 1930 (Gulbenkian) |
segunda-feira, 28 de abril de 2025
Marlen Haushofer, A Parede
Um dos testes que o romance faz está relacionado com a
natureza social do homem. Somos seres em relação, diz-se. O romance questiona:
e se ficarmos isolados? Se toda a sociabilidade humana desaparecer porque sou
apenas um? A parede é uma metáfora para pensar o processo de
hiperindividualização por que passava já, nos anos sessenta do século passado,
a sociedade ocidental. Essa hiperindividualização significa, na prática, um
corte com os outros, mesmo que com eles se conviva socialmente ou até na vida
amorosa. O indivíduo, na sua afirmação radical, transporta a parede que o isola
de todos os outros, os quais deixam de ter para ele uma existência real. O
romance hiperboliza a experiência social de isolamento e torna visível aquilo
que o hábito e a vida quotidiana ocultam. A estranha parede que separa a
protagonista é o símbolo da parede que torna estranhos, para cada um de nós,
qualquer outro ser humano.
A alteração no espaço, a limitação da liberdade de ir para
além da parede, devolve, paradoxalmente, à protagonista uma liberdade radical.
Toda a convenção social, toda a regra moral, toda a lei jurídica, tudo o que
resulta do processo de regulação social, cuja finalidade é limitar as
liberdades individuais naquilo que têm de danoso para os outros, desapareceu.
Apenas a lei da natureza a limita. Essa experiência de uma liberdade absoluta
tem o condão de, ao ver-se livre das regras sociais, a colocar perante os seus
limites animais. Ela precisa de sobreviver, de organizar a vida não para e com
os outros, mas para si e apenas consigo. Quando se elimina a convenção – que
diminui e, por vezes, sufoca a nossa liberdade – o que descobrimos é a pura
necessidade. Ela vai ter de aprender a trabalhar a terra, de cuidar da vaca que
encontrou, do cão que herdou ou da gata que, na sua independência, usa a sua
hospitalidade. O efeito paradoxal do romance é mostrar, sem nunca o afirmar,
que a liberdade só existe em sociedade – nessa mesmo que nos coage e nos
limita; fora dela, só encontramos a necessidade animal.
Se no romance o espaço se limitou, o tempo sofreu uma
metamorfose. Ficar naquela situação e ter de sobreviver significa sair do tempo
histórico e entrar num tempo cíclico, o tempo da natureza. O tempo histórico é
linear: uma linha que vem do passado em direcção ao futuro, que é preenchida
pelos acontecimentos da vida social da humanidade. É essa linearidade que
conduz, por necessidade da própria razão humana, a colocar nesse passado um
tempo mítico originário e, no futuro, uma qualquer ideia de fim da história.
Tudo isso é agora evacuado pelos ritmos da natureza, com as suas épocas de
sementeiras e de colheitas, com a sua dinâmica de um eterno retorno das mesmas
tarefas. Não há história sem comunidade humana, sem o trágico da acção, sem a
disputa interminável entre homens e comunidades.
Esta saída da história e a perda de sentido do calendário
põem à protagonista um problema de referenciação temporal. Como se orientará,
nesse seu novo mundo, no tempo? Há uma dupla estratégia de referenciação. A
primeira é a da já referida ciclicidade da natureza, com os trabalhos
necessários para assegurar a sobrevivência, segundo o ritmo das estações. A
segunda é a escrita do diário como modalidade de consolidação da memória e de
referenciação temporal. O romance é o diário da protagonista, o registo da sua
existência enquanto exemplar único de uma espécie que parece ter-se extinguido.
Pode pensar-se, na interpretação do romance, a escrita do diário de dois pontos
de vista. Por um lado, como um acto de resistência ao desaparecimento da
humanidade. Por outro, como o registo dos momentos finais dessa mesma
humanidade. O mais plausível é pensar essa escrita dirigida a si mesma como um
acto de resistência e um registo de apagamento, uma espécie de objecto que se
poderá tornar um monumento, embora não exista ninguém para o ler. Um guia na
temporalidade até à hora em que já não haverá qualquer ser que tenha
consciência dessa temporalidade.
Mais do que o desaparecimento da sociabilidade humana e o
confronto com a necessidade estrita da sobrevivência, numa situação em que os
processos de cooperação desapareceram, o romance acaba por reforçar – na
experiência do isolamento mais radical – a natureza social dos seres humanos. A
protagonista cria uma comunidade com os animais à sua volta. O cão Lince, a
vaca Bella, com o seu filho, a gata e as suas ninhadas. A comunidade – o viver
com os outros – revela-se assim como inescapável. Desaparecidos os seres
humanos, há que encontrar uma nova comunidade, para que a vida continue a ser
possível. E é aqui que se revela uma das ideias centrais do livro. Essa
comunidade assenta não na utilidade, mas no cuidado. A protagonista cuida dos
seus animais não porque lhe sejam úteis, mas para os proteger. Isto permite
repensar todo o romance como uma metáfora sobre a necessidade de substituir,
nas relações humanas, o ethos da relação utilitária, que isola e
coisifica as pessoas, por um ethos do cuidado, por um dever de
atenção ao outro, mesmo que esse outro não tenha o rosto que esperamos.
sábado, 26 de abril de 2025
Liberdade e democracia
![]() |
Ana Hatherly, Ruas de Lisboa, 1977 (Gulbenkian) |
Ontem, julgo que numa iniciativa do Banco de Portugal, Pacheco Pereira afirmou que a liberdade chegou na tarde de 25 de Abril de 1974, mas que a democracia ficou claramente instaurada apenas na revisão constitucional de 1982. A distinção entre liberdade e democracia nem sempre é compreendida. Podemos ter liberdade – pelo menos em tese – sem termos um regime democrático. Podemos ter uma democracia sem termos liberdade. Aliás, são duas realidades que não raras vezes entram em choque. Essa era já uma preocupação do pensador político francês do século XIX, Alexis de Tocqueville.
É possível conceber uma sociedade onde não há um método de escolha dos governantes, mas na qual não existe censura, nem polícia política, nem perseguição por motivos ideológicos ou políticos. As pessoas são livres de fazer o que entenderem das suas vidas, inclusive são livres de criticar os detentores do poder, mas não têm o direito de escolher quem as deverá governar ou de participar nessa governação. É estranho para os nossos hábitos mentais, mas no conceito de liberdade individual não se inclui necessariamente o direito de escolher a governação.
Por outro lado, podemos conceber um regime democrático, onde existe o direito de participar na escolha dos governantes, mas em que a liberdade é restringida. A democracia pode ser uma ditadura da maioria, onde esta, legitimada pelo voto, diminui as liberdades da minoria ou certas liberdades individuais. É isso que se passa nas denominadas democracias iliberais: são formalmente democracias, mas as liberdades estão condicionadas.
Dizer que uma democracia é liberal não é o mesmo que dizer que é uma democracia representativa. Esta pode, através de representantes eleitos, limitar ou negar as liberdades individuais. Dizer que uma democracia é liberal significa que é democrática – depende do voto da maioria na escolha dos governantes –, mas que, em momento algum, as maiorias têm a capacidade de eliminar os direitos das minorias ou dos indivíduos.
O 25 de Abril, de facto, trouxe de imediato as liberdades; a democracia liberal foi uma lenta construção, que teve alguns percalços no caminho, em que os portugueses aprenderam a compatibilizar o voto maioritário com o respeito pelos direitos individuais e das minorias derrotadas nas urnas. É muito importante defender a democracia, mas não qualquer democracia. É importante defender um regime que seja capaz de compatibilizar a escolha por maioria popular dos governantes com a defesa dos direitos individuais, mesmo que estes não agradem, circunstancialmente, à maioria vencedora.
quinta-feira, 24 de abril de 2025
O Silêncio da Terra Sombria (10)
![]() |
Ben Shahn, The Red Stairway, 1944 |
Mundo sem sombra nem sol,
dedilhado sobre a noite,
imperfeito como um pretérito,
o passado aceso ao meio-dia.
Abrem-se ali rugas no calcário
e escaras no portão descaído,
uma rosa no vestido rasgado,
e fresco, o hálito da invernia.
Vou por uma rua esburacada,
iluminada de malmequeres,
seixos, a caliça nas paredes.
Lugar sem frutos, a poalha
entre campos, as mãos caídas,
caídas ao zunir da varejeira.
[1993]
quarta-feira, 23 de abril de 2025
Como morrem as democracias (3)
Nos quatro países que representam o núcleo duro da cultura europeia – Itália, França, Alemanha e Inglaterra –, os partidos de extrema-direita e de direita radical/populista têm agora mais intenções de voto, medidas em diversas sondagens, do que qualquer partido democrático.
No caso de Itália, esses partidos estão no governo. Em França, a distância entre o partido da senhora Le Pen e o do presidente Macron é demasiado significativa. Em Inglaterra e na Alemanha, o Reform UK e o AfD estão a começar a ultrapassar os grandes partidos tradicionais – isto, para não falar de países como a Holanda, a Áustria, a Eslováquia, a Hungria ou a República Checa.
O que impressiona em tudo isto é a impotência com que as forças democráticas assistem ao crescimento das intenções de voto naqueles que não prezam particularmente as democracias liberais. Nem o confrangedor exemplo vindo dos EUA, com a eleição de um amigo dessas forças, demove os eleitores de, paulatinamente, se entregarem nos braços de aventureiros.
A erosão das democracias liberais vem de trás; pode ser um processo relativamente longo, mas, a continuar assim, parece ser inevitável. Às forças demo-liberais parece faltar duas coisas: imaginação para repensar o modo de acção e, acima de tudo, vontade política para enfrentar os problemas que estão a conduzir os eleitores para fora da democracia liberal.
segunda-feira, 21 de abril de 2025
Beatitudes (79) O espelho de água
Henry G. Peabody, Wing and Wing, 1889 |