terça-feira, 26 de agosto de 2025

Uma mudança radical


Julgo que ainda não se compreendeu bem o significado das últimas eleições legislativas. Elas podem representar – ou representam, efectivamente – um corte com o 25 de Abril de 1974 e com os equilíbrios constitucionais que vigoraram nos últimos cinquenta anos. Esses equilíbrios fundavam-se numa aliança – por norma, tácita – entre o centro-esquerda, representado pelos socialistas, e o centro-direita, representado pelo PSD, com ou sem a muleta do CDS. Dentro desse equilíbrio coube tanto um CDS mais exaltado como uma esquerda menos reformista: o PCP e o BE. Ora, as últimas eleições puseram fim ao equilíbrio. A esquerda tornou-se, parlamentarmente, irrelevante. Nem sequer conta para uma eventual revisão da Constituição. E esta revisão é uma possibilidade real, mesmo que o PSD por enquanto a negue.

Dois sinais decisivos de que os equilíbrios provenientes do processo de democratização estão no fim são as iniciativas legislativas do governo sobre a imigração e o código do trabalho. São leis estruturais e a esquerda nada pode fazer para as alterar. A primeira chocou com o Tribunal Constitucional e à segunda pode acontecer o mesmo. Um cenário plausível é o de a grande coligação parlamentar de direita – PSD/CDS + IL + Chega –, através da contínua proposição de leis que chocam com a Constituição, encontrar uma desculpa que lhes permita fazer aquilo que, na verdade, todos os seus chefes desejam: alterar a actual Constituição, de modo a deixá-la irreconhecível, aniquilando os traços sociais específicos que a transição à democracia em 74 lhe deu.

Os grandes interesses que, de modo mais silencioso ou mais ruidoso, como o caso de O Observador, estão por detrás do Chega, da IL, do PSD de Montenegro (o mesmo de Passos Coelho) e do minguado CDS, não perdoarão à direita política que esta não aproveite a situação actual para refazer a Constituição. E é evidente que quem manda não é Montenegro ou Ventura. Eles são apenas representantes. Portanto, será um milagre que a Constituição se mantenha tal como está. Não se espere que a sua defesa venha do PSD. Não estamos em 1975, nem os dirigentes actuais têm alguma coisa que ver com os dirigentes do PPD (era assim que o PSD se chamava) daqueles tempos. Se se pode ter alguma pequena esperança de que a revisão não seja um retrocesso cívico monstruoso, essa esperança reside na União Europeia. É ela que paga as contas, e há um decoro mínimo que a nossa direita tem de ostentar, para que o dinheiro continue a vir. O país político mudou e mudou radicalmente.

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