quinta-feira, 5 de abril de 2012

Poema 35 - Quinta-feira Santa

São dias de tanta amargura, os céus negros,
Estrelas evadidas dos teus olhos.
Talvez o Senhor amanhã se entregue à morte,
Ou o teu amor arrefeça, entre os lírios
Apodrecidos na cruz laminada da noite.

As portas escancaradas deixam passar
Cães famintos que a rua declinou.
Enxames desolados polvilham as sombras
E tudo o que a memória guarda
Dissolve-se nos ladrilhos do esquecimento.

Nestes dias preferia o sóbrio silêncio,
Mas escasso é o poder herdado,
E não há anjo ou deus que olhe por mim.
Carrego, pedra a pedra, o destino precário,
Para me sentar no desvão do dever cumprido.

6 comentários:

  1. Muito bonito. Mas tão desolado... embora, é certo, a ocasião pode justificá-lo (- mas já sabemos que a história acabou bem, depois de muito choro de desespero, Cristo ressuscitou; aliás, apesar de todos os destinos serem precários, quase todas as histórias acabam sempre bem, é uma questão da alongar a escala do tempo).

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não será este um tempo de desolação? E talvez a verdade seja o contrário. Ao alongar o tempo, todas as histórias acabam por acabar mal. Uma questão de perspectiva.

      Eliminar
    2. É tempo de desolação, sim - e isso é inquestionável.

      Mas como eu penso que somos, acima de tudo, animais (que para aqui andam a evoluir muito lentamente), acho que a história acaba sempre bem porque - sabendo-se que depois da guerra vem a paz (claro que, depois da paz, virá a guerra, etc), depois da grande depressão, vem a grande expansão (e depois a recessão, outra vez, mas paciência, que sabemos que a história não acabará aí), e etc - bem vistas as coisas, há bocados de tempo em que a coisa não corre mal de todo; e apesar de todas estas tranquibérnias, ainda não nos extinguimos a nós próprios e isso já me parece bastante bom.

      E, ainda existindo - mas nunca sabendo por quanto tempo - acho que é prudente não desperdiçar o tempo que nos resta com desconsolos.

      Mas, olhe, tenho a sensação que um filósofo desfaz a lógica do meu raciocínio em três tempos pelo que acho que também é prudente não me alongar mais...

      Gostava de saber incluir aqui um smile mas não sei. Por isso, vai assim :)

      Eliminar
    3. Obrigado pelo smile. Do ponto de vista mundano, a coisa acaba sempre mal, pois acaba com a morte (do indivíduo, da comunidade, da civilização), e por muito que saibamos que isso é assim, ainda não nos rendemos à evidência e fizemos da evidência uma coisa boa. Relativamente aos ciclos de expansão e de depressão, quase que concordo consigo. Mas o próximo ciclo de expansão não será como os anteriores. Nestes, a expansão significava mais riqueza para todos. O próximo significará apenas mais riqueza, muito mais, para alguns. É isto o que significa o fim do Estado social, o qual é declarado morto e sem sentido todos os dias. Boa Páscoa.

      Eliminar
  2. Escuta:

    quem sou eu
    uma crente intermitente
    alma precária a recibo verde
    para te falar de Cristo?

    e no entanto
    pressinto apenas desencanto nessa dor

    deixa que ele ressuscite
    em amor
    vais ver
    Ele é capaz
    pois se até nós
    que não sabemos quem somos
    nem razões por que aqui estamos

    se até nós
    (de quando em vez)
    ressuscitamos...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, mas nós fomos educados não apenas na esperança metafísica do além, mas também na esperança física de um aqui decente e justo. E é aqui que o princípio de esperança deixou de funcionar. O outro funciona sempre, é uma questão de fé.

      Eliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.