A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
A política é para mim um fenómeno ambíguo. Por um lado, fascina-me
desde os meus dezasseis anos; por outro, a intervenção nela, com uma breve
excepção nos anos setenta, sempre me causou repulsa. Um fascínio teórico pelo
fenómeno, uma repulsa prática pela intervenção. Esta repulsa indica,
obviamente, a minha inadequação para a vida política. Compreendi isso ao ler
Platão. Há uma oposição entre a vida política e a vida filosófica. Se nesta
somos guiados pelo compromisso com a verdade, naquela a verdade não tem
qualquer valor efectivo. Só interessa se fortalecer o poder ou ajudar a
conquistá-lo. A falsificação da realidade é um exercício contínuo na política.
Não sou um adepto fervoroso do Rendimento Social de Inserção (RSI). Há
argumentos a favor e argumentos contra, ambos deveriam ser bem ponderados.
Contudo percebo o que está em jogo e qual a finalidade dessa medida. O
objectivo político do RSI não é tanto salvar da miséria certo número de pessoas
ou famílias, mas evitar uma fragmentação da comunidade nacional, prevenir um
sentimento de exclusão motivador de ódio. O RSI visa uma certa paz social, com
a qual todos ganham.
Os governos eleitos têm todo o direito de aplicar as suas políticas,
inclusive na área do RSI. O que me choca é um discurso como o do ministro Mota
Soares. Quando diz que o RSI está ligado não apenas a direitos mas também a
deveres, isto parece do mais cru bom senso. Quem não assinaria por baixo? Mas
quando especifica que entre esses deveres está o de procurar activamente
emprego, não sei se tenho vontade de chorar ou de rir às gargalhadas.
Isto é uma falsificação absurda da realidade. Quando pessoas mais
qualificadas do que os beneficiários do RSI não encontram trabalho – 15% de
desempregados –, como se pode ter este tipo de discurso? Só os preconceitos
ideológicos, o fechar de olhos para a realidade e a falta do mais básico
sentimento de pudor e vergonha justificam palavras deste tipo. Uma sociedade
que não consegue gerar emprego, um mundo económico manietado pelas opções do
governo, do FMI e da UE, e o iluminado ministro acha que os mais fracos
(independentemente da causa dessa fraqueza) têm o dever activo de encontrar
aquilo que não existe. O fascínio que hoje em dia a política exerce sobre mim
deve-se a uma certa necessidade de perceber como o mal funciona e toma conta do
mundo. As palavras de Mota Soares são mais que um exercício de mentira
ideológica, são uma demonstração de que a política é o lugar do mal.
Uma boa Páscoa para todos.
Diabos! Em tempos de Chumbo? Ou tempos de hidrogénio? À falta de melhor, o hidrogénio, voa.!!!!
ResponderEliminarEste texto poderia ser escrito hoje e, certamente, daqui outros 6 meses. Lamentável.
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