quarta-feira, 25 de abril de 2012

Chegou tarde


Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
                     
                                    (Sophia de Mello Breyner Andresen)

Chegou tarde. Não apenas pelo facto de nunca ser cedo para o reino da liberdade, mas por um outro motivo. Chegou tarde para as nossas ilusões, para o tempo dilatado que sempre é necessário para cuidar delas e as amar. A história é cruel para quem está na periferia. O tempo que Cronos oferece aos que foram destinados à distância e à lonjura é sempre demasiado escasso. A crueldade da história é sorrateira, manhosa, chocarreira. Há 38 anos, abriu-se o dique e um mar de gente irrompeu pela cena. Esse era apenas o "dia inicial inteiro e limpo". O que vinha depois faz parte das grandes ilusões que estavam à porta desse dia. Duas grandes ilusões, a da revolução socialista e a edificação do socialismo, a da entrada para a Europa e passar a pertencer ao clube do centro rico e culto. Talvez se tenha imaginado que o espaço não existia e que os Pirinéus seriam terraplanados. Não foram e o espaço sempre existe, descobrimos agora.

A crueldade da história está no carácter tardio do dia. Se tivesse sido em 45 ou mesmo em 50, teríamos tido mais tempo para viver nesse mundo - já tão afastado que parece uma miragem - de uma Europa equilibrada, culta, rica e que, para o resto do mundo, representava uma reencenação do paraíso na Terra.  Perdemos quase trinta anos. Chegou tarde e, quando chegou, a história cruel preparava já o fim dessa ilusão que era a Europa (o socialismo só foi ilusão para alguns, mas a Europa foi um sonho largamente partilhado). Faltavam apenas 15 anos - o que são 15 anos? - para a queda do muro de Berlim e, em consequência do acontecimento, para o desmoronar desse paraíso - inadmissível paraíso, sabemos hoje -, para o fim dessa doce ilusão. Hoje mal protestamos, pois o 25 de Abril chegou demasiado tarde e não tivemos tempo para consolidar as nossas ilusões, para as cuidar e para as amar, como se ama um filho. 

Chegou tarde e já estávamos cansados. Faltou-nos o talento e o discernimento de espírito, faltou-nos desconfiar da história - essa puta que se deita com quem mais lhe paga -, faltou-nos, e falta-nos, a desmesura da paixão pela liberdade. Chegou tarde, mas foi "a madrugada que eu esperava / o dia inicial inteiro e limpo". 

4 comentários:

  1. Escreve no passado, lamentando-se pelos anos desperdiçados e pelo sonho que se desfez perante uma realidade tão diferente da que imaginávamos.

    Concordo com tudo o que diz mas ainda não consigo escrever no passado. Para mim, ainda estamos a tropeçar, a dar uns primeiros passos hesitantes. Caímos por vezes (a agora estamos assim, caídos por terra). Mas haveremos de nos levantar. Eu acredito nisso. Temos é que lutar por isso.

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    1. As coisas mudaram e mudaram radicalmente. O ano de 1989 marca uma efectiva mudança na ordem daquilo que é possível. A nossa revolução, quando aconteceu, já pertencia, embora ninguém o soubesse, ao passado; o mundo que se sonhou já não estava dentro dos possíveis. Agora já estamos noutro mundo, mas não sabemos bem o que ele é. Não parece grande coisa, mas talvez seja bom não haver grandes começos... Quem sabe?

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  2. O futuro do País não seria, pois, o comunismo. Claro. Isso soube-se logo - e ainda bem.

    Mas porque não uma social-democracia tranquila como as do norte da Europa, em que os direitos das pessoas são respeitados, em que o desenvolvimento do país, a todos os níveis, é a primeira prioridade? Já é tarde demais para isso? Eu acho que não, acho que estamos mais que a tempo. Não podemos é andar para aqui entregues a quem não sabe nada nem de política, nem de história, nem de economia, nem de coisa nenhuma (nem sequer de língua portuguesa).

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    1. Penso que nem essas sociais-democracias nórdicas resistirão à voragem. É uma questão de tempo. Mas mesmo que não seja assim, nós não somo nórdicos. Teremos de encontrar um caminho que seja adequado ao que somos. Qual é? Não faço ideia.

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