Egon Schiele - Two Women (1915)
Alguém que se decide a pensar tem que abdicar da simpatia, essa ilusão dos fracos caracteres (Agustina Bessa- Luís, Ternos Guerreiros - Prefácio).
Quando Platão quis entrar para o grupo que rodeava Sócrates, este impôs-lhe a abdicação das suas pretensões artísticas. Conta-se que, fascinado pelo mestre, Platão rasgou as tragédias que tinha escrito. Pensar implica sempre um preço, uma abdicação, o estar decidido a perder qualquer coisa. Agustina Bessa-Luís mostra a natureza cruel e violenta do acto de pensar. Não se trata já de abdicar das suas pretensões mais próprias, mas cortar com a compaixão, com a partilha de uma paixão, mas também de um sentimento ou mesmo de um sofrimento comuns. Aquilo que é o mais humanamente comum é inimigo do pensamento.
O que faz parte do território comum, da opinião ou senso comum, é o já pensado. Naquilo que está pensado, nós partilhamos com o outro esse pensado. O pensado, porém, é como uma metáfora morta. Nele já não encontramos a seiva e o vigor que iluminou, por breves instantes, o mundo. Pensar é um exercício contínuo de solidão e de amor a essa solidão, mas também uma declaração de guerra contra os poderes do mundo. E que poderes são esses? Os da simpatia, aqueles poderes que crescem no que é comum. O comum é o remanescente do pensamento, o traço daquilo que foi pensado, mas ao qual aquele que pensa não deve voltar. Crer no comum é uma ilusão, o sintoma de fraqueza de carácter, como sublinha Agustina Bessa-Luís.
Tudo isto, porém, não significa que pensar seja uma actividade nómada, uma actividade em oposição à instalação sedentária. No nomadismo, há também muito de comum, e por isso ele exerce sobre os espíritos cansados da vida gregária tão grande fascínio. O que parece fundamental no pensador - seja ele nómada ou sedentário - é a solidão, o retirar-se do convívio dos homens para melhor poder olhar. Que esse retiro seja feito como peregrinação ou como instalação no deserto isso é já secundário. Decidir-se a pensar é um pacto com a solidão. Só dessa solidão o pensador pode declarar guerra aos poderes do mundo.
Dirão os mais desavisados: agora que Deus está morto, tornou-se moda evocar os gregos pagãos. Esquecem que não foi um grego que disse: Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada (Mt. 10:34). Não foi Ele que morreu abandonado na cruz?
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