Desce a noite. Apolo, no seu carro de fogo, dirige-se para a triste habitação dos mortos. Cresce a sombra. O fim da tarde traz uma fresca brisa e ao longe ouve-se a flauta de um pastor. É da idade, chegou o tempo das nostalgias. Hoje comovo-me a olhar para o passado. Todos partiram e deixaram-me aqui, neste lugar agora tão diferente do que já foi (E. Bento, O olhar que procura um barco)
Onze viagens pela estranho país do passado, pelo território puro e inicial dos mitos, por esses tempos em que razão e imaginação se fundiam e traçavam um rumo altivo no mundo. Acidentalmente, escrevi ontem aqui sobre a revisitação do passado, do meu passado, como um exercício cómico. Opus à comédia plebeia a tragédia aristocrática. Haverá outras possibilidades. O narrador da última viagem - aquela que se denomina Felix Turre - comove-se. Essa é uma possibilidade real, uma mistura de desordem e de ternura, uma comoção. Talvez a proposta do mais novo livro de Eduardo Bento - lançado hoje - seja essa: uma ternura pelos tempos do passado, por esse grande império dos mitos clássicos, e a esperança que isso ainda nos desordene. A desordem é apenas um passo para uma nova ordem. E onde é que nós, ocidentais tardios, haveremos de ir buscar a seiva, o sangue e a linfa? À terra, à sagrada terra do mito de onde tudo provém. Este é o desafio e a proposta que Eduardo Bento lança a partir das onze viagens que compõem o seu O olhar que procura um barco.
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