quarta-feira, 10 de abril de 2013

Meditações dialécticas (6) - Poder, precariedade e insegurança


Edvard Munch - Ansiedade

A angústia do homem moderno é devida, em grande parte, ao sentimento de não ter mais um lugar permanente simbólico, nem um refúgio do que esteja imediatamente seguro, devido à experiência renovada incessantemente de não encontrar no mundo o necessário para o seu espírito. (Romano Guardini (1950), La Fin des Temps Modernes, p. 46)

O texto de Guardini coloca no centro da angústia do homem moderno a perda de um lugar simbólico onde a carência espiritual do homem pudesse encontrar uma fonte que a saciasse. O que é já claro para o pensador alemão, por outro lado, é a ausência de um refúgio que nos dê segurança. A experiência da década de trinta e, principlamente, de quarenta do século passado, a qual se reflecte no texto citado, é devastadora. Essa experiência terrível foi sendo amenizada e, na Europa ocidental, o clima relativamente ameno e a sensação de segurança persistiram enquanto a memória da guerra foi viva. Simbolicamente, essa memória desaparece com a Queda do Muro de Berlim e o desmoronamento do mundo comunista.

Aquilo a que estamos a assistir nestes dias inscreve-se na lógica essencial da modernidade. A contínua mobilização das forças torna a vida dos homens absolutamente insegura e precária. A precariedade dos mercados de trabalho, o carácter frágil das empresas, o desmoronamento contínuo das relações familiares, a destruição cada vez mais rápida das instituições humanas constituem manifestações dessa ausência de refúgio, dessa insegurança que é, na verdade, um dos traços centrais do mundo moderno.

Talvez aquilo que seja novo na modernidade seja o sentimento de abandono que cada um, em solidão, experimenta num mundo que se torna, a cada dia que passa, mais hostil. Insegurança sempre existiu. O poder público, todavia, tinha, juntamente com outras instituições sociais, um papel determinante na criação de um sentimento de segurança, servindo como o grande guardião do refúgio dos homens. A experiência que estamos a passar torna evidente - embora o fenómeno seja já antigo, mas estava disfarçado - uma metamorfose na natureza desse poder público. Ele é, agora, o principal factor de instabilidade na vida das pessoas, a principal causa do sentimento de insegurança que se abate sobre cada um. 

Onde se cria uma tendência para relações sólidas, onde laços seguros unem os homens, o papel do poder político é, hoje em dia, criar condições para que essa solidez e segurança sejam destruídas. O poder político - não o Estado em si - tornou-se no grande agente de destruição da segurança e da promoção de uma vida precária e sempre mobilizável. Estamos a aprender a viver em estado de guerra contínuo e descobrimos que o inimigo que dispara sobre nós e nos persegue é composto por aqueles que elegemos para nos defenderem.

4 comentários:

  1. É aquela cena dos animais da quinta tomarem o poder, sabe como é. Parecem pessoas, tentam parecer pessoas mas lá no fundo não passam de porcos vestidos de fato e gravata.

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    1. Sim, essa é uma parábola que volta, nestes dias infelizes, a ter todo o sentido. Já nem o fato e a gravata disfarça a natureza dessa gente, antes pelo contrário.

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  2. O fato e a gravata foram, provavelmente, o pior adereço/farda que o homem podia ter descoberto (experimentei essa realidade durante trinta anos, resisti e "despi-me"...).
    Afinal o mundo novo pouco tem de admirável.

    Abraço

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    1. Enfim, o mundo novo parece um castigo à curiosidade humana.

      Abraço

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