Julio Gómez Biedma - Conflicto de intereses
Contrariamente ao que os sectores pró-governamentais pretendem passar para a opinião pública, as normas da Lei do Orçamento do Estado chumbadas pela pelo Tribunal Constitucional não o foram pela deriva ideológica marxista da nossa Constituição mas porque põem em causa princípios fundamentais das democracias liberais, neste caso a igualdade perante a lei. Isto significa que o nosso governo tão pró-liberal nem os princípios liberais do Estado de direito quer respeitar.
Perante isto, podemos fazer duas leituras. Uma leitura benigna e outra maligna. Pode-se pensar, benignamente, que o orçamento tem normas inconstitucionais porque quem o construiu pouco sabe de direito constitucional. A vida partidária ter-se-á degradado de tal modo que nem já o conhecimento mínimo das regras do jogo existe. Esta perspectiva, apesar de parecer absurda, terá os seus argumentos. Basta olhar como a classe política se forma nas juventudes partidárias.
Há, contudo, uma segundo leitura, aquela que é maligna. Reconhece que a gente da governação não é lá muito dotada, mas que haverá na sombra gente inteligente que vai soprando os caminhos que se devem trilhar. Esses génios malignos poderão muito bem ter soprado uma Lei do Orçamento que fosse propositadamente inconstitucional. Para quê? Para criar uma fonte de conflito entre sectores público e privado e abrir, desse modo, uma janela de oportunidade para o governo destruir a dimensão social do Estado. Ao apresentar um orçamento que sabia a priori ser inconstitucional, o governo, através da Assembleia da República, estava apenas a preparar o caminho para acelerar o seu programa de destruição das protecções que ainda gozam as classes sociais médias e baixas.
Talvez hoje, depois da reunião do conselho de ministros, se comece a perceber a verdade. Mas quem ler nas redes sociais e nos blogues os habituais amigos do governo já percebeu que, para além da retórica contra o Tribunal Constitucional, eles estão exultantes e propõem já soluções que irão deixar muita gente em situação muito difícil. O Tribunal Constitucional deu um óptimo alibi para o governo dar vazão aos seus ódios de estimação e ao seu programa de liquidação dos direitos sociais e de acumulação de capital nas mãos de um pequeno grupo.
A tese parece provir de uma mente delirante formada na escola da teoria da conspiração. E acreditar em teorias da conspiração é o mesmo que acreditar em bruxas. Yo no creo en brujas pero que las hay las hay.
Não escondi o gozo que me deu o chumbo -selectivo(?)- do TC ao Orçamento.
ResponderEliminarMas, não obstante, atrevo-me a uma terceira leitura (maquiavélica)” servindo-me de Lampedusa: “É preciso que algo mude para que tudo fique na mesma”...
Abraço
Na verdade, julgo que o governo vai tentar uma vingança ignóbil sobre os funcionários públicos e sobre as partes mais frágeis da sociedade. Está-lhe na massa do sangue. Às vezes, parece-me que estamos a milímetros de uma guerra civil e que o governo parece sentir prazer em conduzir o país em direcção a isso como forma de chantagem para destruir todas as funções sociais do Estado. Mas talvez eu esteja com algum problema de insónia e não esteja já com o juízo muito apurado.
EliminarAbraço