quarta-feira, 24 de abril de 2013

Dos nomes e dos pseudónimos

Amadeu de Souza Cardoso - A máscara do olho verde, cabeça (1915)

Nunca compreendi a necessidade de utilização de pseudónimos sentida por escritores e outros artistas. Tome-se por exemplo o autor de As Pupilas do Senhor Reitor. Que diferença faz que ele se chame Júlio Dinis ou Joaquim Guilherme Gomes Coelho? Que diferença faz que o autor de Os Bichos se chame Miguel Torga ou Adolfo Correia da Rocha? Na verdade, assistimos apenas à substituição de uma máscara por outra. Pensamos muitas vezes que o nome, o nosso nome, está ligado e revela a nossa identidade. Mas isso está longe de ser assim. O nome permite a identificação mas não o reconhecimento de uma identidade. A identificação diz respeito à interacção e exige a persona que representa no espaço público. A identidade diz respeito ao que cada um é, e isso está longe de poder ser sequer indicado pelo nome. Como diz um poema dito e cantado pela Maria Bethânia, "eu não sou o meu nome". O nome é já a primeira estratégia em que aprendo a ocultar-me de mim mesmo. A insuportável presença de mim perante mim é evitada pelo acto social de atribuição de um nome. Os pais, ao atribuírem um nome ao seu filho, não cumprem apens um acto socialmente exigido. Eles livram-no da angustiante interrogação sobre a sua identidade, sobre o seu ser. O nome é o primeiro tranquilizante que tomamos, o fundamento sobre qual construímos o conjunto de devaneios com que configuramos a imagem sob a qual se esconde o terrível segredo da esfinge. Na verdade, o nosso nome é já todo ele um pseudónimo.

5 comentários:

  1. E agora o que é que eu digo? "Todos os nomes"?...
    Habituei-me às iniciais e já não mudo. Aliás, quem não sabe o meu nome?

    Abraço

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  2. Perfeito. Sábias palavras. Concordo totalmente, claro.

    As palavras que aqui agora estou a escrever seriam diferentes se, em vez de ser Um Jeito Manso a assinar, fosse um Rui Saldanha ou uma Maria Francisca? Que interesse tem um nome quando o que está em causa são palavras que uma pessoa escreve?

    Ou as suas palavras, para mim que o não conheço (e ainda que o conhecesse), parecer-me-iam diferentes se em vez de escritas por um JCM fossem escritas por um JMC ou por um MCJ?

    Ou seja: gostei de ler o que escreveu, soa-me a conversa inteligente.

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  3. Do ponto de vista da escrita, o Paul Ricoeur defendia que deveríamos ler uma obra como nada soubéssemos do seu autor, como se ela fosse anónima. Julgo que nunca se sabe grande coisa do autor. As obras são também elas formas de ocultação, ou, no máximo, de uma jogo de ocultação-revelação. Que interessa que os comentários sejam de UJM ou de JRD ou os posts nos respectivos blogues? O texto, pela escrita, tornou-se autónomo relativamente ao seu criador. Uma das coisas em que continuo a concordar com o Ricoeur é precisamente neste seu ensinamento sobre a autonomia do texto.

    Um bom feriado.

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  4. Concordo que se trata de uma máscara... e na blogosfera isso permite muita coisa, não necessariamente boa. Ou má. :)

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    Respostas
    1. Do ponto de vista da blogosfera o problema parece-me outro. Há a questão da responsabilidade perante certas práticas. Por exemplo, o anonimato com que se fazem comentários devastadores sobre pessoas é uma coisa indecente.

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