Quando se deu o 25 de Abril de 1974, o mundo, divido
entre duas superpotências, estava em plena Guerra Fria, atravessava a
crise petrolífera de 1973 e as consequências que dela nasciam. Se se
pretender estabelecer uma linha de continuidade entre os tempos da
transição à democracia em Portugal e os dias de hoje, então é preciso
ter em conta as alterações radicais que o mundo sofreu, e as quais não
eram sequer imagináveis na altura. Três factos alteraram para sempre a
paisagem histórica onde a vida se desenvolvia.
A Queda do Muro de Berlim e a derrocada do Bloco Socialista marcou o
fim da Guerra Fria e o início de uma nova reconfiguração geopolítica. A
globalização da economia mundial, centrada nos jogos do capital
financeiro e na abertura dos paraísos de mão-de-obra quase escrava,
introduziu uma nova relação entre capital e trabalho. A criação do Euro,
em 2002, trouxe as consequências que estamos a descobrir, nomeadamente o
diktat da Alemanha, agora reunificada, e a impotência dos países do Sul da Europa.
Estes três factos vieram anular a capacidade que os pequenos
países possuíam para organizar políticas próprias e fazer coincidir a
vontade do eleitorado e a vontade dos governos eleitos. Lentamente, sem
quase se dar por isso, tudo mudou. O que está em jogo numas eleições não
é a vontade dos eleitores mas o cumprimento daquilo que a nova ordem
internacional impõe. Sobre esta, a vontade dos governos nacionais ou as
expectativas dos eleitorados não possuem qualquer efeito. Durante algum tempo, após o 25 de Abril, a democracia tinha como
finalidade sufragar programas distintos e encontrar caminhos diversos
para a comunidade nacional. Hoje em dia, contudo, já não vivemos no
mesmo regime. Este é o dado essencial. Houve uma alteração de regime não
por via de um golpe de estado nem por uma alteração radical da
constituição, mas por imposição das circunstâncias internacionais.
Já não vivemos na era democrática nascida com o 25 de Abril, mas
na era pós-democrática que se foi impondo e para a qual não se encontrou
solução. A pós-democracia em que vivemos significa o quê? Significa a
existência de eleições e de liberdades públicas, mas apenas puramente
formais, pois está eliminada, através da interdependência global, uma
alternativa à situação. Qualquer escolha contra a ordem internacional
fará pura e simplesmente cair sobre o país um duro castigo. Em 1974, foi
deposta uma ditadura. Hoje em dia, nem uma ditadura há para depor,
apenas um diktat que transformou a liberdade em destino
incontrolável. Do ponto de vista da eficácia política, o 25 de Abril
está morto, pois vivemos já noutro regime político.
Partilho o desencanto e a frustração que não a descrença.
ResponderEliminarBati-me por Abril e quero continuar a esperança.
Por muitas mãos estranhas -e conhecidas- que o queiram estrangular, Abril ainda respira.
Bom fim-de-semana
Abraço
A minha posição não parte de uma descrença mas de uma descrição. Houve, de facto, uma mudança de regime que foi imposta pelas circunstâncias (é certo que houve e há cúmplices das circunstâncias). Não foi só em Portugal. Estas circunstâncias não se devem às crises do subprime norte-americano e às crises das dívidas soberanas europeias (e não apenas do sul da Europa). São anteriores, mas as crises foram uma oportunidade para acelerar aquilo que já estava a ocorrer. Aquilo que nasceu com o 25 de Abril, por muito grato que me seja, pertence a um mundo que acabou. A realidade mudou, é preciso também mudar a forma de agir dentro dela.
EliminarBom fim-de-semana
Abraço