Claude Monet - Chemin de la Cavée at Pourville (1882)
Caminhos que,
entre dois prados,
levam a lado
nenhum,dir-se-ia que com arte
do seu fim desviados,
caminhos que
tantas vezes têm
diante de si apenaso puro espaço
e o tempo que faz.
(Rainer Marie Rilke, Quadras do Valais, 31)
A metáfora do caminho que leva a lado nenhum tem uma forte carga filosófica, devido ao uso que dela foi feita em francês para traduzir Holzwege, o título de um livro de ensaios do filósofo alemão Martin Heidegger. O brilho da tradução do título filosófico acabou por ofuscar o poema e obliterou aquilo que este dá a meditar. O núcleo central do poema está construído a partir de uma conjectura, e é esta o ponto central daquilo que é poético neste poema.
A conjectura expressa-se em dir-se-ia (l'on dirait). Dir-se-ia que esses caminhos que levam a lado nenhum foram desviados com arte do seu fim. A conjectura tem dois momentos. No primeiro, supõe-se que um caminho, qualquer caminho, tem um fim (but), uma meta. No segundo momento, indica-se que o desvio desse caminho do seu fim foi feito com arte. Ao supor uma arte, supõe-se também um certo grau de decisão e de consciência. No entanto, é preciso não esquecer o grau conjectural e a incerteza assim instaurada.
É esta incerteza que ilumina todo o poema. Este conta que existem, entre prados, caminhos que levam a lado nenhum. Que eles sejam fruto da arte ou do acaso fica indeciso, tornando-se, desse modo, misteriosa a sua origem. A última quadra descreve o que está diante desses caminhos, aquilo que se abre perante eles, o que substitui o seu fim. O que é o puro espaço? Nada mais que o indeterminado. Um espaço puro é onde não existem configurações que lhe dêem um sentido preciso, é um espaço aberto e enigmático.
O enigma adensa-se, tonando-se em novo mistério, com o verso final e o tempo que faz, discutível tradução do verso de Rilke et la saison (Llansol traduz por o tempo em que se está). Seja qual for a tradução, o verso envia-nos sempre para o indeterminado e para aquilo que não está na nossa mão, que não podemos manipular, nem mesmo conceptualmente. O enigma do espaço puro e o enigma do tempo que faz, da saison, constituem um novo mistério, aquele que agora se abre diante desses caminhos que levam a nenhures.
A incerteza do dir-se-ia, com a sua tonalidade conjectural, cria o espaço semântico onde se inscrevem os mistérios da origem e do fim desses caminhos. Que caminhos são esses que levam a lado nenhum? Aprendamos com o poeta a conjecturar. São os caminhos de cada um de nós. A sua origem e o seu fim são misteriosos, como misterioso é o motivo que nos leva a percorrê-los. O que é poético no poema é a introdução de uma incerteza, mas esta incerteza não visa uma resposta certa, propõe antes como caminho o aprofundamento da incerteza no mistério. O meu caminho que leva a lado nenhum é um mistério e não há possibilidade de sobre ele obter uma qualquer certificação. A verdade do caminho do homem sobre a terra é a de que ele é um mistério que posso apreender poeticamente, com arte, mas que não posso resolver. Não há algoritmo que dê sentido à vida de um homem.
Gosto muito deste texto.
ResponderEliminarGosto de caminhos que não vão dar a lado nenhum. Gosto especialmente de escadas que não vão dar a lado nenhum. Fotografo-as muito. No Ginjal há várias, escadas que sobem para lado nenhum.
Não sei se conhece o último livro de Pedro Tamen, Rua de Nenhures. Acho que também gostará.
Não conheço o livro de Pedro Támen, mas o título ecoa o verso de Rilke "Chemins qui ne mènent nulle part". Muito obrigado pela indicação e pela apreciação do texto.
EliminarQue melhor imagem do que a de Monet e a "impressão" que nos deixa, para acompanhar as quadras de Rilke.
ResponderEliminarO texto -excelente- remete(-me) para o título do poema de António Machado "Caminante no hay camino" e se somos nós que fazemos o caminho, é estranho que não possamos escolher o seu sentido e o seu final.
Abraço
Estranho será, mas talvez tudo o que seja essencial não esteja na nossa mão.
EliminarAbraço