Kazimir Malevich - Singer in the Chorus
De dia em uma
coluna de nuvem para os guiar nos jardins de areia, entre rochas de cristal e
quartzo cor de âmbar, tão ambarino o quartzo e tão lento o cristal. Não dormiam
aqueles que punham os pés na poeira do caminho e moviam os músculos do corpo,
quase incorpóreo, coberto por tecidos frustes, nimbado por uma luz sazonada
pelas colinas da tarde, tão verdes foram essas colinas e agora adormecem
tocadas pelo amarelo e pela cinza cinzelada pelo tempo, pela luz litoral da
morte, pelo uivo dos rebanhos sintéticos que crescem no desaforo das cidades.
Havia estrias na
pele das mulheres e ao longe, muito ao longe, ouvia-se, na orla do mar, o troar
dos pássaros amontoados em manadas voadores. Se alguém a alguém um segredo
queria dizer, os ouvidos recusavam o sussurro e embarcavam no ruído tardio com
que as aves em debandada infestavam os ares, a vasta terra cobriam. Aí homens e
animais sucumbiam à violência do comércio ou ao idílio das máquinas, oblíquas máquinas
a semear de plástico copos entre mãos. As mulheres sangravam esquecidas pelos
homens, presos ao álcool da loucura ou à falência máscula do desejo, sangravam,
nelas, as trevas que haveriam sobre todos cair.
De noite em uma
coluna de fogo para os alumiar e salvar das trevas, as que haveriam de vir,
como sempre vêm, pelo sangue violáceo, quase húmido quase sólido, das mulheres.
Dentro da luz, elas, as trevas, nascem e traçam mapas de urze pelo rosmaninho
contaminada. Ele, o que não tinha nome, era uma tocha febril, incendiada de
ardor, e cantava, com a sua voz de bardo, canções de marinheiros presos ao mar,
olhos febris nas águas cor de esmeralda, acreditava-se, e corações feridos, sem
força para bombear no corpo o avaro sangue, corações a ceder ao peso do
nevoeiro, das serras calcárias ele vinha.
Se tudo
estremecia, quando chegava a hora de estremecer, a memória riscava sulcos nos
veios da pedra, símbolos de orvalho, sinais de neve, signos de água corrente
vinda das fontes, as mais inesgotáveis. Então os caminhantes, homens, mulheres
e crianças, punham-se ao caminho, arrebatados pela esperança, aquela que o
desespero tece sobre a pele carcomida pelos dias. A morte, sempre tão volúvel, pela
vida, como um castigo, os atirava, e eles iam, como se tivessem um destino. Alguém,
na berma da estrada, de cabeleira azul, ateou um fogo de violetas e na
combustão, a tudo consumia, pulsou uma sombra de lacre fiada na escuridão. Ouviam
então a voz do bardo, tão pura mesmo se de cansaço enrouquecia, e seguiam-na em
silêncio pela noite dentro.
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