quarta-feira, 15 de junho de 2016

A aparência é a realidade

Joan Hernández Pijoan - Dois ciprestes (1984)

O António Costa apelou ou não à emigração dos professores, tal como o fizera Passos Coelho? Eis a vexata quaestio que anima, à falta de melhor, as redes sociais mais inclinadas para o lado direito. A minha opinião, que é irrelevante, é que não fizeram a mesma coisa. O contexto do discurso é diferente, o que torna diferente o significado das palavras. Para quem tem dúvidas sobre a importância da pragmática para determinação do sentido do discurso pode começar por aqui. Mas não é a pragmática que me interessa nem sequer a questão de o actual primeiro-ministro ter ou não apelado à emigração. O que me interessa é a questão das aparências.

Atribui-se ao dr. Salazar, o benévolo guardador de rebanhos que nos pastoreou com mão-de-ferro durante décadas, a frase: Em política, o que parece é. O dr. Salazar foi um ditador, mas não era parvo. A filosofia, desde o seu início, é uma luta para desconstruir as aparências e assim libertar a realidade do véu que a envolve. Por muito que isso possa custar a alguns, a política, porém, não é filosofia nem ciência. As aparências, quando se trata de política, têm um estatuto ontológico central. O que parece, a aparência, é a realidade para a acção política. Talvez não exista mesmo outra realidade em política senão o conjunto de aparências que enquadram a acção dos agentes políticos. 

Dito isto, é irrelevante que António Costa tenha ou não apelado à emigração dos professores no mesmo sentido que o fez Passos Coelho. O que interessa é a aparência, e, aparentemente, ele fê-lo. Portanto, vai ter de lidar com o assunto. O que me impressiona no meio de tudo isto é o grau de amadorismo dos nossos políticos (e António Costa nem é dos mais amadores). Quem está constantemente sob escrutínio tem de ter um cuidado extremo com as palavras que usa. Mais, tem de perceber que qualquer coisa que diga vai ser retirada do contexto pragmático e vai ser vista apenas ao nível sintáctico-semântico. Isto é, descontextualizada, o que lhe altera - por vezes, radicalmente - o sentido. Tem de perceber, como bem o sabia o dr. Salazar, que, em política, a aparência é a realidade.

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