Revisita ao filme O Laço Branco (Das Weiss Band) do
realizador Michael Haneke. Uma obra magnífica situada nas vésperas da primeira
Grande Guerra. O filme começa por ser uma exposição sobre o carácter precário
da memória. O narrador, que participa de certa maneira da vida da comunidade
onde os acontecimentos narrados se passam, reconhece, logo no início, que a
memória dos factos, passados há muito, é imprecisa e que, apesar de sentir uma
necessidade imperiosa de contar a história, o que sabe dela advém dessa memória
vacilante e de "ouvir dizer".
Esta imprecisão memorial corresponde, porém, ao recalcamento de um
conjunto de estranhos crimes ocorridos dentro de uma comunidade camponesa
submetida quase feudalmente a um senhor. Esses crimes, nunca oficialmente
desvendados, são obra de um conjunto de crianças. A subterrânea perversidade
das crianças surge em contraponto com a subjectivação das normas morais dentro
de uma comunidade protestante. O laço branco não é outra coisa senão o símbolo
dessa subjectivação. No fundo, o filme trata do confronto entre a violência do
bem, aquela que se exerce sobre as subjectividades infantis para a
interiorização da norma moral, e a violência do mal que, dissimuladamente como
os adultos, as crianças praticam.
Que o pastor, o mais zeloso dos moralistas, se recuse a encarar a
perversidade dos próprios filhos, acaba por tornar evidente a cumplicidade
entre a regulação protestante das consciências e o mal. Tudo isto, contudo, se
dissolve na irrupção da guerra. Diria que se está perante um filme da
contra-reforma, onde a subjectividade individual acaba por ser a fonte de uma
perversidade oculta, mas que se manifesta continuamente. Essa falência da moral
protestante perante a perversidade natural do homem fica em suspenso com o
advento da Guerra de 1914-18. Nós que sabemos o que veio a seguir, percebemos
como é que esse mal recalcado, na Alemanha, se veio a manifestar com o advento
do nazismo. Resta questionar se não é ainda essa mesma regulação protestante
das consciências, essa regulação cúmplice com o mal, que estará na base da
atitude da Alemanha perante os países do Sul da Europa. Não será que a Alemanha
– e todos aqueles que agora são tão alemães – não sofrem de uma memória tão
precária e vacilante quanto a do narrador?
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