quarta-feira, 22 de junho de 2016

Sala de aula e burocracia

Juan Botas - School (1989)

É comum ouvir os professores, onde me incluo, lamentarem-se do excesso de burocracia que lhes cai em cima. Referem como contraponto antiburocrático o trabalho de sala de aula. Este sim, seria importante e, por vezes, parece mesmo apresentar uma tonalidade redentora. Estamos aqui perante uma espécie de dilema: ou o trabalho vivo de sala de aula ou a burocracia infernal da vida escolar. Não vou defender que este dilema é falacioso, um falso dilema. Argumento apenas que não é sequer um dilema. O crescimento do trabalho burocrático extra-sala de aula deve-se à importância que esta assume nos sistemas educativos. Esse trabalho é apenas o complemento da natureza burocrática do próprio trabalho em sala de aula.

Uso o conceito de burocracia no sentido weberiano do termo. A burocracia visa a organização racional das actividades, fundadas na autoridade e em normas abstractas, tendo por finalidade a eficiência. A sala de aula pela qual suspiram os professores não é outra coisa senão a aplicação ao ensino dos preceitos burocráticos provenientes de Weber. Para além da retórica sobre o ensino centrado no aluno e das declamações sobre a inovação pedagógica, o que está em jogo na sala de aula é a transmissão de um currículo que é pensado, também ele, como um conjunto de normas universais (burocráticas) a transmitir pelos professores, autoridade burocrática para o efeito, e a adquirir pelos alunos com a máxima eficiência. A sala de aula não é o paraíso sem burocracia. A sala de aula é, ao nível da educação, o lugar supremo da burocracia. Desde a sua organização espacial até ao jogo de transmissão e aquisição do currículo (os programas estão pensados burocraticamente, basta consultá-los para se perceber isso), passando pela relação de autoridade (ou falta dela) dos professores, tudo na sala de aula é modelado pelo ideal burocrático.

A disfunção burocrática (crescimento desmedido de actas, reuniões, projectos, planos, justificações, etc.) emerge apenas porque a eficiência, o objectivo burocrático do trabalho de sala de aula, está longe dos objectivos políticos determinados pelas governações. A burocracia fora de sala de aula é a continuidade da burocracia, agora em estado de falência, da sala de aula. O paradoxal de tudo isto reside na ilusão de que a disfunção burocrática é estranha à sala de aula. Esta ilusão deve-se a uma crença ingénua partilhada pelos professores, mas não só, de que a sala de aula é o lugar da pura e verdadeira aprendizagem e não da burocracia, como se a concepção de ensino não fosse toda ela burocrática, a começar nos currículos e a acabar nas concepções de ensino dos próprios professores, passando pela organização das escolas e das salas de aula. A sala de aula não é o paraíso da aprendizagem pura, é o lugar revelador da falência da concepção burocrática do ensino.

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