Juan Botas - School (1989)
É comum ouvir os professores, onde me incluo, lamentarem-se do excesso de burocracia
que lhes cai em cima. Referem como contraponto antiburocrático o trabalho de
sala de aula. Este sim, seria importante e, por vezes, parece mesmo apresentar
uma tonalidade redentora. Estamos aqui perante uma espécie de dilema: ou o
trabalho vivo de sala de aula ou a burocracia infernal da vida escolar. Não vou
defender que este dilema é falacioso, um falso dilema. Argumento apenas que não
é sequer um dilema. O crescimento do trabalho burocrático extra-sala de aula
deve-se à importância que esta assume nos sistemas educativos. Esse trabalho é
apenas o complemento da natureza burocrática do próprio trabalho em sala de
aula.
Uso o conceito de burocracia no sentido weberiano do termo. A
burocracia visa a organização racional das actividades, fundadas na autoridade
e em normas abstractas, tendo por finalidade a eficiência. A sala de aula pela
qual suspiram os professores não é outra coisa senão a aplicação ao ensino dos
preceitos burocráticos provenientes de Weber. Para além da retórica sobre o
ensino centrado no aluno e das declamações sobre a inovação pedagógica, o que
está em jogo na sala de aula é a transmissão de um currículo que é pensado,
também ele, como um conjunto de normas universais (burocráticas) a transmitir pelos
professores, autoridade burocrática para o efeito, e a adquirir pelos alunos com a máxima
eficiência. A sala de aula não é o paraíso sem burocracia. A sala de aula é, ao
nível da educação, o lugar supremo da burocracia. Desde a sua organização
espacial até ao jogo de transmissão e aquisição do currículo (os programas estão
pensados burocraticamente, basta consultá-los para se perceber isso), passando pela relação de
autoridade (ou falta dela) dos professores, tudo na sala de aula é modelado
pelo ideal burocrático.
A disfunção burocrática (crescimento desmedido de actas, reuniões,
projectos, planos, justificações, etc.) emerge apenas porque a eficiência, o
objectivo burocrático do trabalho de sala de aula, está longe dos objectivos
políticos determinados pelas governações. A burocracia fora de sala de aula é a
continuidade da burocracia, agora em estado de falência, da sala de aula. O paradoxal
de tudo isto reside na ilusão de que a disfunção burocrática é estranha à sala
de aula. Esta ilusão deve-se a uma crença ingénua partilhada pelos professores,
mas não só, de que a sala de aula é o lugar da pura e verdadeira aprendizagem e não da
burocracia, como se a concepção de ensino não fosse toda ela burocrática, a
começar nos currículos e a acabar nas concepções de ensino dos próprios
professores, passando pela organização das escolas e das salas de aula. A sala
de aula não é o paraíso da aprendizagem pura, é o lugar revelador da
falência da concepção burocrática do ensino.
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