Caspar David Friedrich - Seashore with Shipwreck by Moonlight (1825-30)
Rebentaram os diques, depois
os taludes, a barragem cedeu ao relâmpago de água e os barcos, de substância
tão porosa, afundaram-se, em lenta cerimónia, colmeias presas pelos cabelos ao
vento. Dali, daquele lugar de nome equívoco, todos se foram, porque tornando as
águas, cobriram aos carros, em procissão chegavam, e por habitação lhes deram o
fundo do mar. Os peixes resignaram-se aos novos companheiros, depois,
comovidos, entregaram-se a um luto dorido por aqueles que na água a vida, tão
mecânica, assim deixaram.
Tudo então transbordou:
árvores, ervas, frutas vindimadas, alguns animais colhidos na voragem, perfeita
voragem, dos dias. A vida ressumou incensos e as vozes, em delírio, entoaram,
abrigadas no medo da hora, crepúsculos e hossanas. Se um deus tivesse vindo e
em suas mãos trouxesse um ramo de oliveira, as tardes seriam pela inocência
juncadas e na branca sombra desenhar-se-ia, imóvel, a estátua que arde no lugar
onde as estrelas, entregues à cintilação, desaguam.
Como trevos soprados pela ganga
da primavera, vieram, ao anoitecer, víboras em murmúrios de leite e mel, falcões
bêbados de ar e altura, mais tarde, animais rumorosos, o bosque na frescura os ocultava.
Trémulos, homens e mulheres deixavam descair a cabeça sobre os ombros, tomados
pelo pânico da dúvida, embriagados pela luz da noite, enlouquecidos pela sombra
do deserto. Ali se olharam e, sob a candeia que a tudo alumia, partiram, sem
que palavra alguma viesse em suas bocas traçar, para mais tarde, o símbolo da
manhã.
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