domingo, 26 de junho de 2016

Paradoxos soberanistas



O referendo britânico veio chamar a atenção para a natureza paradoxal da ideia de soberania. Não me refiro tanto ao conceito em si mas às expectativas que o envolvem. De um ponto de vista benévolo, tendo em conta a experiência europeia, o Estado-Nação soberano parece ser o lugar por excelência da democracia. O que a União Europeia tem mostrado, desde que tomou o caminho da destruição das soberanias nacionais, é uma cada vez maior disfunção do princípio democrático. Seja onde for, o voto popular é irrelevante. A deriva federalista e anti-soberanista da actual União Europeia não trouxe consigo uma reinvenção da democracia. Esta experiência acordou, em muitos, o desejo de retorno à soberania do Estado-Nação em nome do princípio democrático.

De um ponto de vista menos benévolo, o desejo de retomar as velhas soberanias nasce do confronto com o estrangeiro, com o imigrante. As razões do desejo soberano são menos nobres e estão enraizadas no medo da presença do outro no território nacional. Deste ponto de vista não é tanto a democracia que está em jogo mas o nacionalismo. O princípio nacional é mais importante, para esta corrente soberanista, que o princípio democrático, o qual é visto, tal como pelos federalistas, como meramente instrumental. A recusa da União Europeia, neste campo, não se deve ao défice democrático nela existente, mas antes porque a UE dissolve os princípios nacionais, pondo em causa a distinção entre nós e os outros.

A resposta soberanista dos ingleses, uma resposta em si mesma democrática, e aquela que se desenha noutros países não podem ser lidas como se fossem uma posição clara e distinta a favor da democracia. O soberanismo é complexo e conjuga em si forças contraditórias. Não é claro que tal soberanismo seja eficiente na realização daquilo que os seus defensores pretendem. Não é claro, talvez com a excepção da Inglaterra, que o retorno às soberanias nacionais seja seguido do reforço local da vida democrática. Podemos mesmo pensar que o fim da União Europeia pode abrir caminho para regimes autoritários em múltiplos países europeus. Por outro lado, a vitória dos soberanistas europeus está longe de assegurar uma sobrevivência nacional num mundo globalizado e, tendencialmente, mais aberto à livre circulação de bens e serviços. Em resumo, não apenas os desejos de soberania são contraditórios como está longe de ser claro que a soberania, entendida como retorno à situação anterior à UE, consiga realizar os desígnios que os seus defensores lhe atribuem.

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