Mon Montoya - 5 de abril en Times Square (2000)
Lançando vos
lançarei daqui, do lugar o mais desordenado, das praças maculadas pela
impiedade das ervas, das amplas ruas tão fechadas ao trânsito, tão cego e tão sedento
trânsito, com que um deus compõe, ao dedilhar o restolho das nuvens, a
geografia da cidade. Um tumulto de flores, ainda eles o trazem pela cercadura dos
braços, mas já a luz se entrega, ainda pela manhã, a uma agonia de velas
arvoradas, como se tudo não passasse de um mar de algas e rochas, batido pelo
vento que espalha, sob a copa das árvores, florestas de incêndios, bosques de
luz, fogos tão húmidos que logo ergues, e nele te cobres, esse guarda-chuva,
tão velho e desbotado, com marcas de silicone e um anúncio de máquinas fotográficas.
Aí se escondem as sobras que sobram da memória imóvel e já devorada pelo punhal
do dia.
Lançando vos
lançarei uma praga de palavras, a contaminação das páginas do rio, o funesto
desejo de a tudo perceber. Circulam na imóvel eternidade filas de carros e nas
lojas há mulheres desfiadas a escorrer pela seda, outras leves como o pesado
veludo, que cobre a porta onde, era um sábado de neve azul, alguém por ti
chamou. Não penses que te deslocas pela cambraia das horas e assim da morte te
escondes, como se fosses um universal vazio, o conceito amplo que a tudo, em seu
seio, recolhe. O lápis, aquele de assimétrico bico quebrado, é o teu último reduto.
De lá partem mísseis contra os inimigos escondidos na larga calçada da praia,
sem barcos nem pássaros nem peixes; apenas filas árduas de carros em combustão
se entregam à maresia do combate.
Lançando vos
lançarei naturezas mortas, pintadas pelo sangue que corre das mães inanimadas por
tantas palavras saídas de sua boca, naqueles dias em que os cães vinham pela rua e latiam tardes fora, a chamar, em desespero, os seus deuses, estátuas
disformes, corpos avaros, luz alguma os teria, na sombra da roseira, tocado. As
janelas fechavam-se e na oclusão da casa habitavam os moradores. Humedeciam os
lábios e cruzavam as mãos antes de a noite cair. Os joelhos flectiam quando os
músculos ao peso do aroma da terra cediam e um grito desenhava-se na madeira
lavrada por mãos solitárias, azuis e suavemente ritmadas, balançando, até pelo
silêncio se suspenderem e na ondulada respiração adormecerem, para nunca mais
irromperem pela manhã.
Lançando vos
lançarei pelas faces as pétalas apodrecidas no hálito dos pomares de ozono,
estâncias primaveris que cobrem o tecto do tecto da cidade. Engavinhados, os
viajantes pedalam, na surpresa da tarde, bicicletas de granito untadas pelo
óleo de girassol. Fulguram no fim da estrada, se os olham dentro dos olhos;
amadurecem, se os esquecem e logo se inclinam para a terra como pétalas puras,
ao febril êxtase da queda se dão. Mais tarde, quando o ano for um imenso verão
de incêndios, haverá uma súbita ordem de fuga. Na debandada da noite, os que
viajam esperam inquietos no ocre das
estações de serviço, e se lhes oferecem um quarto de hotel, recusam com as mãos
vazias e os lábios roxos pelo sono, a noite o esconde na agonia do regaço.
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