Visitar o passado é um belo exercício de confronto com as nossas
ilusões, com as ilusões que a vida social faz nascer em nós e que, sem oposição,
nós deixamos que elas cresçam. Na verdade, toda a vida social está focada em
criar um manto de ilusões, um véu de Maya, com que se torna aceitável. Esta
belíssima imagem de propaganda a um transístor portátil da Grundig (1958)
foi vampirizada do Dias
Que Voam, um blogue que merece bem estas vampirizações,
para além de inúmeras visitas e leituras. Aliás, há lá outro anúncio notável da Grundig (1957),
uma verdadeira lição de sociologia da época. Este transístor seria então,
segundo a publicidade, uma jóia. Pequena, mas autêntica. Se pela autenticidade
a Grundig nos assevera o seu carácter verdadeiro, oposto a uma
falsificação, pela associação com uma jóia faz evocar em nós o que é belo e
aquilo que resiste ao tempo, aquilo que é eterno.
Eis aqui, porém, a mentira da técnica. As coisas técnicas, na sua
verdade, podem ser belas, mas apenas num momento. Não, porém, eternas. A beleza
delas decairá rapidamente, ultrapassada por outras mais belas com que o mercado
animará o nosso desejo. Para não falar no facto de todos estes objectos serem
produzidas para se tornarem obsoletas e, em última análise, para deixarem de
ser belos. Todos nós já experimentámos, perante um novo gadget, o deslumbrado embevecimento da rapariga do anúncio. Mas
também já todos fizemos a experiência que esse novo objecto representa já o
passado. A beleza que ele oferece ou o conforto que proporciona serão em breve
ultrapassados por um novo objecto que se oferecerá imperativo, pelo saber da
técnica e do design, à nossa voluptuosa faculdade de desejar.
Passados tantos anos quem achará belo o pobre rádio transístor da Grundig? (averomundo, 2010/01/15)
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