terça-feira, 13 de setembro de 2016

As coisas técnicas


Visitar o passado é um belo exercício de confronto com as nossas ilusões, com as ilusões que a vida social faz nascer em nós e que, sem oposição, nós deixamos que elas cresçam. Na verdade, toda a vida social está focada em criar um manto de ilusões, um véu de Maya, com que se torna aceitável. Esta belíssima imagem de propaganda a um transístor portátil da Grundig (1958) foi vampirizada do Dias Que Voam, um blogue que merece bem estas vampirizações, para além de inúmeras visitas e leituras. Aliás, há lá outro anúncio notável da Grundig (1957), uma verdadeira lição de sociologia da época. Este transístor seria então, segundo a publicidade, uma jóia. Pequena, mas autêntica. Se pela autenticidade a Grundig nos assevera o seu carácter verdadeiro, oposto a uma falsificação, pela associação com uma jóia faz evocar em nós o que é belo e aquilo que resiste ao tempo, aquilo que é eterno.

Eis aqui, porém, a mentira da técnica. As coisas técnicas, na sua verdade, podem ser belas, mas apenas num momento. Não, porém, eternas. A beleza delas decairá rapidamente, ultrapassada por outras mais belas com que o mercado animará o nosso desejo. Para não falar no facto de todos estes objectos serem produzidas para se tornarem obsoletas e, em última análise, para deixarem de ser belos. Todos nós já experimentámos, perante um novo gadget, o deslumbrado embevecimento da rapariga do anúncio. Mas também já todos fizemos a experiência que esse novo objecto representa já o passado. A beleza que ele oferece ou o conforto que proporciona serão em breve ultrapassados por um novo objecto que se oferecerá imperativo, pelo saber da técnica e do design, à nossa voluptuosa faculdade de desejar. Passados tantos anos quem achará belo o pobre rádio transístor da Grundig? (averomundo, 2010/01/15)

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