O último filme de Pedro Almodóvar, Julieta,
construído a partir de contos de Alice Munro, pode ser visto como um
questionário sobre a relação entre mãe e filha. Melhor, sobre a dependência que
a maternidade, pelo facto de trazer ao mundo um novo ser, institui na
construção da identidade da mulher. A estratégia do cineasta não é a de analisar
o concreto de um relacionamento, mas extremar o ponto de observação, colocando
o foco no impacto da ausência da filha na vida da mãe. Não a ausência trazida
pela morte, mas a de uma radical decisão arbitrária, na qual a filha corta, sem
que a mãe perceba a razão, todos laços.
O filme de Almodóvar acompanha o processo de construção da
subjectividade de Julieta. O que está em jogo é a identidade desta. Este processo mostra-se, porém, muito
longe do ideal iluminista de uma autonomia absoluta. Ao trazer outro ser ao
mundo, não apenas essa autonomia é posta em causa pela responsabilidade, como
se instaura uma espécie de processo que remete, através do vínculo biológico e
afectivo, a uma tradição. A autonomia do sujeito é drasticamente reduzida pela
dependência perante os filhos, neste caso, a filha. Deste ponto de vista,
Almodóvar faz um filme de limites. Torna patente a fragilidade de um projecto
de construção de si como alguém absolutamente autónomo. A filha de Julieta, na
radicalidade da sua pretensa autonomia, manifesta o limite do projecto da
modernidade, do ideal iluminista de autonomia do sujeito.
O grande revelador desta ausência de autonomia é, contudo, a
esperança. Depois, de um primeiro período de desespero, após o desaparecimento
da filha, Julieta parece reconciliar-se com a vida e, aparentemente, vive a sua
vida, como se tivesse conquistado a sua autonomia em relação à filha desaparecida.
Bastou, porém, um pequeno sinal para que a esperança voltasse e revelasse uma
estranha menoridade da mãe perante a sombra ausente dessa filha. Contrariamente às expectativas da
modernidade, onde a esperança é a esperança de uma progressiva autonomia dos
indivíduos, o cineasta espanhol mostra-a como aquilo que devolve Julieta à sua
menoridade, à dependência da filha ausente. O filme nos dá a ver como o
projecto iluminista esbarra na natureza dos homens, nas dependências que a vida
da espécie institui e que nenhum decisão da vontade parece ter poder para
anular.
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