Jan Vermeer - The Allegory of Faith (1671-74)
Pego num livro de Nuno Júdice, O
fruto da gramática, e logo no início do segundo poema leio: Desfio um rosário de conjunções / nos dedos
da memória. E uma iluminação desce em mim e transporta-me para um longínquo
passado, aquele em que – certamente, por inépcia minha – tentava decorar as
conjunções recitando-as de enfiada, talvez distinguindo, mas a memória já não
recupera esse aspecto, as coordenativas das subordinativas. Descobri, ao ler o poema
de Júdice, que aquilo que eu fazia, há bem mais de quarenta anos, era rezar,
rezar o rosário das conjunções, ou das preposições, ou dos advérbios. Os dedos da memória de que fala o poeta não
são apenas os dedos que nos transportam para essa longínqua experiência. São
também os dedos com que eu tentava prender em mim, na precária casa da memória,
essas classes de palavras. Julgo que a escola, essa escola que me incitava a
desfiar rosários gramaticais, uns atrás dos outros, nunca conseguiu fazer com que
eu percebesse para que serviam essas estranhas palavras. Na verdade, para rezar
tantos rosários era preciso ter fé, muita fé, e eu, já nesses dias, sofria de uma
manifesta falta de fé.
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