A minha crónica no Jornal Torrejano.
Ao comprar a nova tradução de Frederico Lourenço da Odisseia de Homero, lembrei-me da
célebre frase de Fernando Pessoa ou, melhor, de Bernardo Soares: Minha pátria é a língua portuguesa. Há
nesta frase um equívoco qualquer. A língua portuguesa, como outras, é apenas
uma pátria de acolhimento. Na verdade, somos uma espécie de refugiados de uma
pátria mais arcaica e fundamental. Que pátria é essa? É aquela que Frederico
Lourenço, através das suas traduções de Homero e da Bíblia, está a expor aos
portugueses. Não é uma pátria territorial, mas uma herança com cerca de três
milénios.
A nossa pátria é a poesia dos gregos. De Homero, de Hesíodo,
de Píndaro, de Ésquilo, de Sófocles e de muitos outros. A nossa pátria é a
filosofia de Platão e de Aristóteles. A nossa pátria é a poesia latina de
Horácio, Ovídio, Virgílio. Inclui Cícero, Marco Aurélio, Tito Lívio. A nossa
pátria é o Antigo Testamento e o Novo Testamento, Agostinho de Hipona e Tomás
de Aquino. Apesar de esforços hercúleos de alguns – como Frederico Lourenço –,
a nossa pátria arcaica está a ser corroída pelo abandono a que nós, seus filhos
e cidadãos, estamos a votá-la.
É nos autores clássicos greco-latinos e nos dois Testamentos,
que constituem o livro sagrado do Cristianismo, que estão os fundamentos
daquilo que somos. É lá que residem as fontes que nos alimentaram nos últimos
milénios. A descristianização e o abandono, na instrução escolar, da leitura
dos clássicos estão a introduzir, desde há décadas, uma brecha entre as
gerações actuais e fundo cultural que lhes deu origem, sentido e substância. A
partir de certa altura, parece ter-se constituído uma conspiração com a
finalidade de cortar as novas gerações da ligação ao passado e apagar, na sua
memória, o conhecimento dessa herança que nos trouxe até aqui.
A aventura do homem ocidental não começou com a revolução
científica do século XVII, o Iluminismo, a revolução industrial e tecnológica,
o liberalismo e a democracia. Começou muito mais cedo, começou nesse tempo e
com essa herança que hoje queremos esquecer. Esquecer a nossa origem não é
apenas um problema de má memória mas um efectivo suicídio colectivo. Sem a
memória do passado, a identidade torna-se de tal maneira frágil que seremos
levados por um qualquer vendaval que a História está sempre pronta a oferecer.
A leviandade com que estamos a descartar os clássicos greco-latinos e o
Cristianismo, a matar a nossa pátria arcaica, é o sintoma de uma doença que tem
todo o ar de ser fatal.
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