Passam este mês 50 anos dos acontecimentos que ficaram
conhecidos por Maio de 68, um conjunto de revoltas estudantis que se
prolongaram numa onda grevista, sem precedentes, dos operários franceses. Por
norma, salienta-se a natureza excepcional desses acontecimentos, onde se
aliaram reivindicações libertárias dos estudantes, na área dos comportamentos
sociais e sexuais, com as exigências sindicais bem mais prosaicas por parte
significativa da mão-de-obra francesa. Aos acontecimentos – fundamentalmente,
às exigências estudantis – ficou adstrito todo um folclore que nunca deixou de
assombrar a política de uma certa Europa. Nem sempre se afirma, porém, com
suficiente clareza, que as eleições democráticas de 30 de Junho desse ano
liquidaram, no plano político, o processo começado na Universidade de Paris,
Nanterre, com o movimento espontaneísta e libertário do 22 de Março.
As autoridades francesas começaram por tentar travar a crise
estudantil através da repressão, recorrendo à violência policial. Foi como usar
gasolina para apagar uma fogueira. Os acontecimentos políticos duraram cerca de
dois meses e morreram nas eleições antecipadas. Ao devolver a palavra à
população, o problema político ficou resolvido. O poder adquiriu uma nova
legitimidade, embora o fim político do general de Gaulle tivesse ficado
traçado. A revolta dissolveu-se como que por encanto. Passados cinquenta anos,
numa altura em que a democracia representativa parece sofrer de uma grave
doença, que alguns parecem desejar que seja fatal, não será descabido sublinhar
este facto tantas vezes esquecido pela nostalgia dos soixante-huitards reais ou imaginários.
O Maio de 68 foi uma porta por onde passou muito do que
estava em gestação na sociedade francesa e ocidental. O Vaticano II, a guerra
do Vietname, a descolonização da Argélia, a prosperidade do pós-segunda-guerra,
a descoberta e legalização da pílula, tudo isso tinha gerado tensões de
natureza social, política e comportamental, as quais precisavam de uma abertura
para emergirem no palco do mundo. O Maio de 68 foi essa abertura. Muito do que
entrou por essa porta tornou-se o nosso modo de vida. Isso e a mitologia que
foi produzida nos anos subsequentes criaram uma névoa que oculta o essencial.
As dinâmicas libertária e esquerdista do movimento, ambas claramente
antidemocráticas empalideceram e morreram na consumação de um acto eleitoral. É
desconsolador chamar a atenção para o facto, mas nestes dias difíceis para a
democracia, é bom não esquecer os recursos que esta possui.
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