quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Alterações climáticas e o pathos do apocalipse

Yoriyasu Masuda, Caos, 1994
Talvez, como sugeria, no Público, João Miguel Tavares (JMT), só as catástrofes tenham poder de levar os homens a pararem o comportamento que está na base das alterações climáticas. O autor refere que a questão é posta, por norma, em termos de vontade política, mas que o problema é mais complexo, pois enraizar-se-ia na psicologia humana. Os seres humanos – muitos deles – já perceberam que as alterações climáticas são, muitas delas, da responsabilidade humana, mas que ainda não sofreram o suficiente com elas para se sentirem constrangidos a mudarem os comportamentos.

Aristóteles talvez seja mais fecundo do que o psicologismo a que recorre JMT. Refere, o filósofo grego, que o hábito é uma segunda natureza. Seria esta natureza que explicaria os comportamentos que JMT atribui à psicologia humana. No entanto, o problema coloca-se a jusante do hábito, no processo da sua formação. Podemos formar hábitos viciosos ou hábitos virtuosos, o que conduzirá a um carácter vicioso ou virtuoso. O que tem isto a ver com as alterações climáticas e a resistência à mudança de comportamentos?

Durante muitos e muitos anos, o poder económico com a colaboração do poder político exerceram uma verdadeira educação dos hábitos das pessoas. Ter grande iniciativa, exceder-se e ter poder económico para consumir são pilares da educação que, de forma massiva, há mais de um século é difundida. Foram propagandeados como virtuosos. Mais, continuam a ser propagandeados como virtuosos, tanto pelos governos como pelos agentes económicos. 

Os hábitos da espécie humana não são coisas que caem dos céus aos trambolhões. São o resultado de uma educação. Antes de ser uma questão psicológica, as questões comportamentais perante as alterações climáticas são políticas e sociais, devido ao peso que as ideologias políticas, os interesses económicos e as concepções sociais difundidas amplamente possuem na educação e na formação de hábitos. Em última análise, trata-se mesmo de uma questão de vontade política, de uma vontade que escolheu - e escolhe - mostrar como virtuoso aquilo que é vicioso. 

Quando não se quer compreender que o egoísmo oculto na propaganda da iniciativa, o ir para lá da justa medida que se esconde na cultura do ultrapassar-se continuamente e a delapidação presente no consumo são valores negativos e os responsáveis pela situação a que se chegou, então, como acontece com o texto de JMT, resta o pathos do apelo ao apocalipse. Os seres humanos precisam de catástrofes para aprenderem. Uma apologia do dilúvio universal. Resta saber quem será o Noé da história.

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