Num artigo com o título “Para não ter que repetir de novo «Não
passarão!»”, publicado em 2002, no Corriere della Sera, o escritor
italiano Claudio Magris escrevia o seguinte: «Há, no clima político-cultural
cada vez mais dominante, uma agressiva negação dos valores da democracia e da
Resistência que talvez nos obrigue a convertermo-nos no que esperávamos ou acreditávamos
que já não teríamos que vermo-nos obrigados a ser, quero dizer, intransigentes
antifascistas.» Não se pense que Magris é um velho comunista ou um adepto da
esquerda radical. Não é. Aquilo que ele denuncia na Itália do início deste
século está a chegar agora a Portugal.
Assiste-se a uma ofensiva contra os valores democráticos, uma desvalorização da resistência à ditadura do Estado Novo, ao mesmo tempo que se faz apologia dos tempos de Salazar e do colonialismo português. O problema da resistência aos regimes caídos em 25 de Abril (também o regime fascista italiano caiu num 25 de Abril) tem aspectos diferenciados em Portugal e Itália. Em Itália, a resistência ao fascismo era feita por organizações de esquerda e de direita. Tanto a democracia-cristã como os comunistas eram antifascistas. A legitimidade de uns e outros no novo regime era idêntica. Isso não se passou em Portugal, onde a direita esteve, com honrosas excepções, sempre alinhada com a ditadura. A direita democrática portuguesa foi uma criação pós-25 de Abril. A ausência de uma memória democrática à direita é um campo propício para a desvalorização da resistência à ditadura.
Esta ausência de memória e a desvalorização da resistência à ditadura começam a ter impacto na defesa da própria democracia. A democracia portuguesa é um regime plenamente integrado nas democracias ocidentais. Funciona segundo as regras do Estado de direito e as suas imperfeições resultam de ser um regime feito por seres humanos, não sendo muito diferentes das imperfeições das outras democracias ocidentais. É esta democracia – o regime mais livre alguma vez existente em Portugal – que a direita radical pretende subverter, tentando destruir a representatividade, o carácter liberal do regime e, como acontece em alguns países europeus, o próprio Estado de direito. O perigo para Portugal é intensificado pela ausência de uma memória de resistência à ditadura dentro da direita democrática, que lhe permitisse opor-se aos avanços e cantos de sereia da nova direita radical. Os sinais existentes são preocupantes, parecendo anunciar a necessidade de se voltar a ser, adoptando as palavras de Claudio Magris, um intransigente antifascista, o que significa ser um intransigente defensor da democracia liberal.
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