sábado, 18 de junho de 2022

Escavar no romance português

Está calor. Em vez de falar de política, como habitualmente, o melhor é derivar e falar de literatura. Não é que o assunto interesse mais aos portugueses do que a política. Não interessa, mas ajuda a suportar o calor e a inflação. Um salto ao século XIX pode ser uma viagem interessante. O romance moderno português terá começado nesse tempo. O problema é que sabemos muito pouco do que aconteceu aí, do fervilhar romanesco, da quantidade de gente que procurou a glória não na guerra, mas na literatura. Há para isso, como para tudo, culpados. Façamos o elenco destes. Almeida Garrett, Alexandre Herculano e, principalmente, Camilo Castro Branco, Júlio Dinis e Eça de Queirós. Garrett e Herculano, do ponto de vista romanesco, não são muito fecundos, o mesmo não se pode dizer de Camilo e Eça. Júlio Dinis ocupa um lugar intermédio. Quem mais fez romances no XIX?

Alguém dirá Rebelo da Silva, Arnaldo Gama ou, mesmo, Teixeira de Vasconcelos. Não será mau, mas a realidade é muito mais ampla e mais rica. Quem foi o autor de quem Óscar Lopes e António José Saraiva, verdadeiras autoridades no assunto, disseram ser “o melhor realizador, em Portugal, do romance tal como o concebeu Balzac”? O senhor dava pelo nome de Francisco Teixeira de Queirós. Quem ouviu falar dele? Nos últimos tempos tenho-me dedicado a espiolhar esse século romanesco. Foi aí que o descobri. Descobri mais, uns mais exaltantes do que outros, mas tudo gente que teceu o lençol com que o romance português se cobriu até aos dias de hoje. Eis alguns nomes descobertos: Alberto Pimentel, António Pedro Lopes Mendonça, Faustino da Fonseca, Francisco Gomes de Amorim, Gervásio Lobato (o do romance Lisboa em Camisa), Guilherme Centazzi (o autor do primeiro romance português), Joaquim Leitão, Manuel Pereira Lobato, Manuel Pinheiro Chagas, etc., etc.

Estes escritores não terão o dom literário de um Camilo ou de um Eça, mas fazem parte de um movimento que lançou as bases do romance em Portugal, o qual teve um momento superlativo, no que toca ao reconhecimento, com a atribuição do Prémio Nobel a José Saramago. É esta história que não deveria ser esquecida. E o esquecimento não atinge apenas o século XIX. Ele expande-se para o século XX. Também aqui os grandes nomes lançam um véu sobre os outros, os quais também ajudaram a tornar o português uma língua literária importante. O pior é que nem a iniciativa privada nem a iniciativa pública parecem estar interessadas em fazer ressurgir esses autores que contribuíram para sermos aquilo que hoje somos. Falta de mercado, dirão. Falta de iniciativa, parece-me.

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