quinta-feira, 2 de junho de 2022

Reindustrializar?

Os países ocidentais, com os EUA à cabeça, iniciaram um processo de libertação da dependência industrial da China e de outros fornecedores asiáticos. As indústrias ocidentais, em busca de mão-de-obra barata, deslocalizaram-se para o Oriente, enquanto se assistia nos EUA e na Europa a uma desindustrialização mais ou menos profunda. O processo é interessante porque pode ser lido a partir da dialéctica do senhor e do escravo, uma parábola teórica do filósofo alemão do século XIX Georg W. F. Hegel. A busca de mão-de-obra tendencialmente escrava acabou, como ensina Hegel, por tornar dependentes os senhores dos seus próprios escravos, estando a inverter-se os papéis.

O Ocidente descobriu-se com um problema em casa. Esse problema traduz-se não só na dependência de terceiros, como na destruição da estrutura social que tinha permitido criar sociedades equilibradas e com um módico de justiça social. Em vez disso, temos agora um enorme fosse entre os mais ricos e os outros, temos classes médias à deriva e, do ponto de vista político, emergiram populismos de diversa orientação que ameaçam a democracia liberal e o Estado de direito. O Ocidente está a descobrir que o excesso de liberalismo mata as sociedades liberais e encaminha-as para o autoritarismo.

O irónico de tudo isto – ou o trágico – é que o sonho da reindustrialização do Ocidente chega num momento em que se deveria estar a discutir a transição para sociedades pós-industriais em todo o mundo. O motivo é simples. A Terra parece não estar pelos ajustes com a forma como os humanos se relacionam com ela. A degradação ambiental e as alterações climáticas são de tal ordem que, a cada dia que passa, surgem novas evidências de que a espécie humana se está a precipitar para um abismo de onde não há retorno. Isto implica pensar noutro tipo de economia. Não me refiro à substituição da empresa privada e do mercado, mas de uma economia de consumo frugal, de trabalho reduzido e de rendimento diminuído. 

O que se deveria estar a discutir no mundo não é como aumentar o rendimento e o consumo, mas como empobrecer e como assegurar uma partilha justa desse empobrecimento. Isto não significa um retorno ao passado, mas uma procura de novas formas de vida cujo sentido não seja dado pela posse e pelo consumo. Esse empobrecimento significa, antes do mais, um emagrecimento. Sofremos todos de obesidade mórbida. Não se trata de excesso de quilos, mas de excesso de roupas, de carros, de gadgets, de viagens, de comidas, de férias, de experiências, etc., etc. Pensar que reindustrializar o Ocidente o salva é pensar que vale mais morrer de ataque cardíaco do que de COVID.

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