Carlo Carra - La Musa Metafísica (1917)
Se se consultar uma listagem das musas e observar as actividades por elas inspiradas ou protegidas, a metafísica, isto é, a filosofia está ausente. A razão é simples. Enquanto a inspiração divina faz parte do mundo imaginário e mitológico, a filosofia, desde muito cedo, pretendeu submeter toda a realidade ao império da razão. Para que esse esforço se tornasse possível, a razão deveria cortar as amarras que a ligavam à imaginação e apresentar-se como pura força e faculdade autónoma. Ora se esses intentos se tivessem concretizado, como pensam alguns que se concretizaram, o mais que poderíamos dizer é que a filosofia seria uma actividade desinspirada. E isto não é propriamente um cumprimento.
A verdade, contudo, é que os filósofos, regra geral, fizeram outra coisa. Por muita cientificidade que reivindiquem, a realidade é que a filosofia não passa de um romance, um longo romance que se vai escrevendo há 2600 anos. Por romance entendo aqui o trabalho ficcional onde a razão é personagem e intriga. A razão não existe fora deste processo de ficcionalização. Ao comporem as diversas intrigas a que deram o pomposo nome de teorias, os filósofos fabricaram, e continuarão a fabricar, aquilo a que chamamos razão. Fora deste processo ficcional, não há razão alguma. Enquanto artistas, os filósofos devem possuir a sua musa, uma musa metafísica por certo, mas mesmo assim um musa. Por mim, escolheria como musa metafísica Tália, a musa da comédia. Não porque a filosofia faça rir - a mim faz, por vezes - mas porque Tália quer dizer "a que faz brotar flores". Não será isso a filosofia, uma espécie de jardinagem de onde surgem, de súbito, inesperadas flores?
Um belo texto. Parece que, nestes tempos, tão longe que estamos do paraíso, só textos que encerram em si uma certa melodia poética, são verdadeiramente inovadores ou frescos.
ResponderEliminarMuito obrigado. Sim, os tempo não estão para paraísos. Provavelmente, nunca estiveram.
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