A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
O futebol dá-nos uma excelente imagem da situação geopolítica global. Mancini,
treinador italiano, foi campeão em Inglaterra à frente de um clube propriedade
de um xeque árabe. Há anos atrás, Mourinho foi campeão na mesma Inglaterra num
clube propriedade de um milionário russo. O Benfica, hoje em dia, é raro
apresentar um português na equipa principal, enquanto até à década de 80 do
século passado só tinha portugueses na equipa. Em todo o lado, os clubes de
futebol são cada vez mais globais, apesar de terem a sua base de apoio em
territórios locais.
Quem pensar porém que o futebol, com esta relação entre o local e o
global, ultrapassou ou destruiu as identidades nacionais está enganado. Dentro
em breve, teremos a prova em contrário e dezasseis selecções nacionais vão
incendiar, Europa fora, a imaginação patriótica dos cidadãos dos respectivos
países. O futebol mostra a complexidade das nossas fidelidades. A globalização
das equipas de futebol não anula a identificação com a selecção nacional. O
mais provável mesmo é que, quanto mais os clubes são globais na sua
constituição, maior seja a chama e o fervor patriótico na relação com as
selecções nacionais.
Se nós conseguimos, ao nível das paixões desportivas, articular
racionalmente diversos níveis de pertença, nada justifica que isso não seja
possível ao nível político. É evidente que a unidade política de sobrevivência,
hoje em dia, não é o Estado-Nação, mas o planeta tomado como um todo. Assim
como, com a emergência do Estado-Nação, o nível local ganhou novos sentidos e
funções, também agora, com a globalização da economia e da própria vida, o
Estado-Nação ganhará outros contornos.
O futebol mostra que continuamos a dar muito importância ao nível
nacional. É de lá que vem a nossa identidade política e cívica. Se o
Estado-Nação, pelo menos o europeu, vem perdendo poderes soberanos para
instâncias internacionais, ele serve como uma espécie de arca de Noé onde os
indivíduos lutam para sobreviver no dilúvio da globalização. Isto significa que
o Estado-Nação é um lugar de cooperação. Para que seja apetecível cooperar, é
necessário que haja um módico de justiça social e equilíbrio na distribuição
dos bens socias resultantes da cooperação. É isto que o actual governo, preso
ao espectáculo da globalização, despreza, criando fracturas sociais que tornarão
a cooperação entre os portugueses muito mais difícil. O futebol, através do
apoio à selecção nacional, ensina-nos algo muito importante: queremos estar
todos, como iguais, neste barco à deriva e enfrentar o perigo.
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