7. Sequentia: iii.
Liber scriptus
Rasgar o livro no desamparo do tempo,
Apagar o rasto lúgubre da tinta,
Das palavras fazer luz e quimera,
E da consciência água, corre para o mar,
Floresta límpida, lobo e cordeiro,
O sossego no canto dos pássaros.
É de pedra o livro, esculpido a cinzel.
A tua perda, toda naquela lei,
A dor que atravessa o ventre
E inclina para o chão.
Belas as horas de balanço,
O deve e haver ponderado
No espelho da eternidade.
Um sino repica ao longe.
As sirenes avançam inquietas,
Mancham a paz do dia,
O barulho pulsa-te o coração.
Para que serve tanta leitura,
A lei no aconchego do lar?
O horto incendiado, a casa roubada,
O corpo entregue ao som da fanfarra.
Degolada, a linguagem traz,
Palavra a palavra, o veredicto:
Agora começaste, mal soletras
E tudo caminha para a fronteira.
Para que serve a voz de comando?
A trombeta zune sem fim.
A rapariga, dentes cariados,
Pele em escaras ardentes,
Chama, murmura-te o nome,
A escuridão fede a álcool e sexo.
Não tens navalha que corte,
Interruptor para apagar a luz.
Ilumina-a o sílex deste livro
Suspenso sobre ti
Na escarpa sombria, voa o falcão.
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Missa Pro Defunctis é um ciclo de poemas escrito em Setembro e Outubro de 2011. É constituído por 21 poemas e pretende ser uma meditação poética sobre a nossa situação actual, meditação que acompanha a estrutura de um Requiem na tradição religiosa católica. Será publicado integralmente neste blogue nos próximos tempos, embora sem periodicidade diária ou qualquer outra.
Jorge, eu sou suspeita porque sou muito "fúnebre", mas não há dúvida de que estes teus poemas do Requiem são magníficos. A escolha de um léxico do domínio da contemporaneidade sobreposto nesta estrutura do ritual litúrgico resulta na perfeição.
ResponderEliminarMuito obrigado, Ivone. Há muito que pensava escrever em cima do requiem, mas só o ano passado o fiz. Aliás, este ciclo é complemento de um outro escrito em cima do Exodus, mas que perdi num disco rígido que entregou a alma ao criador. Estou a tentar recompô-lo a partir de versões muito anteriores. Relativamente a esta Missa Pro Defunctis, tenho dúvidas sobre alguns dos poema a vir, nomeadamente o "Sanctus", que talvez o reescreva completamente e o "In Paradisum", que talvez corte metade do poema. Mas ainda não sei. Veremos se consigo manter a tensão entre a liturgia e a contemporaneidade.
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