Existe a frase famosa atribuída a Winston Churchill – a democracia é o pior dos regimes, à excepção de todos os outros – que serve como sentença acerca da superioridade da democracia sobre os outros regimes políticos. No entanto, a frase contém um conceito equívoco, cujo significado é objecto de disputa e que necessita de esclarecimento para que a frase faça pleno sentido. Esse conceito é, precisamente, o de democracia. O regime democrático a que se referia Churchill é o de democracia liberal e representativa. Este tipo de democracia implica uma drástica limitação das pulsões democráticas. Um governo numa democracia liberal e representativa é emanado do voto popular. Contudo, os seus poderes são sempre limitados e não pode fazer tudo aquilo que lhe passe pela cabeça ou pelo desejo dos seus eleitores.
As democracias liberais e representativas são regimes políticos pensados para compatibilizar a vontade popular expressa maioritariamente e a protecção das minorias. São ainda pensadas para que os governos sejam controlados por instâncias formais – como os parlamentos ou os tribunais constitucionais, por exemplo – e por instâncias informais – como a opinião pública livre. Ganhar eleições, mesmo com maioria absoluta, não significa poder fazer o que se quer e, muito menos, perseguir os adversários políticos. Existe, todavia, outro entendimento da democracia. Uma maioria de votos justificaria qualquer medida do grupo político escolhido pelos eleitores. Existem regimes políticos que têm eleições – as quais podem ser justas – mas não se podem qualificar de democracias no sentido de democracia liberal e representativa.
A partir de certa altura, esses regimes começaram por ser designados por democracias iliberais. Na verdade, não passam de ditaduras da maioria, onde os direitos, liberdades e garantias individuais estão postos em causa. Um dos desígnios dos governantes desses regimes é o controlo do aparelho judicial e de todas as instâncias que podem limitar a acção governativa. Podemos ver esses regimes, por exemplo, no Irão, na Turquia, na Hungria, na Venezuela e, agora, em Israel. Quando se fala na extrema-direita populista e se a acusa de fascista, é possível que se esteja a falhar o alvo. O que os partidos dessa área pretendem, incluindo em Portugal – digam-no claramente ou de forma velada – não é abolir as eleições, mas a natureza liberal e representativa da democracia. Pretendem usar o voto popular para acabar com os mecanismos de controlo do governo e assim implantar uma ditadura da maioria. Nem todas as democracias são regimes recomendáveis.
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