A certa altura de uma entrevista concedida ao Público, o cientista – Prémio Nobel da Medicina – Richard J. Roberts afirma: Quem não sabe nada de ciência não devia interferir na política. Os políticos precisam de ouvir os cientistas, não as pessoas, os pastores ou outros líderes religiosos que apenas espalham desinformação. A posição de Roberts é um exemplo de uma certa inocência sobre o que é a política. Por norma, cientistas e filósofos estão comprometidos com a verdade, é esta que orienta a sua actividade. Os políticos, porém, são homens de acção, e aquilo que os orienta não é a verdade, mas o poder. O que se descobriu há muito é que entre poder e verdade pode existir um abismo, muitas vezes, inultrapassável. Foi esse abismo que levou Platão a formular a controversa teoria do Rei-Filósofo.
Um político sem poder é uma inutilidade, por mais verdadeiras que sejam as suas ideias sobre a realidade. Como o poder, em muitos países, se conquista através de eleições, pela formação de maiorias, os agentes políticos fazem suas as crenças maioritárias. A generalidade das pessoas – muitas vezes com formação superior – são mais sensíveis a explicações simples, apesar de falsas, do que a complexas explicações dos fenómenos, apesar de verdadeiras. Isto é intensificado pela intervenção de líderes de opinião, religiosos e laicos, que criam fantasias que as pessoas tomam por realidade. O que move os seres humanos, na vida quotidiana, também não é a verdade, mas o desejo, as expectativas, o medo, isto é, um conjunto de factores irracionais, os quais se projectam nas urnas, escolhendo os políticos que digam aquilo que elas querem ouvir, mesmo que falso.
A ideia de submissão da política, e dos políticos, à razão e à verdade, proposta por Roberts, é uma ilusão, pois as comunidades humanas não são comunidades de cientistas ou de filósofos. A política não lida com a investigação e o conhecimento, mas com a direcção de uma comunidade humana com a finalidade que essa comunidade subsista perante as ameaças que a atingem, e os seus membros possam gerir os seus desejos, expectativas e medos. Se a razão e a verdade não têm poder suficiente para gerir a irracionalidade que habita os seres humanos, o mais plausível é que políticas irracionais tomem conta do discurso político e da acção dos políticos, ainda mais numa época em deixou de existir um padrão de verdade que legitimaria discursos e acções. É possível que, nos próximos tempos, se acentue um paradoxo: quanto maior e mais preciso for o conhecimento científico, tanto maior será a submissão da opinião pública a crenças irracionais e a falsificações da realidade.
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