O caso de um seleccionador de futebol que beija na boca uma jogadora. O caso de uma jornalista de televisão que é apalpada durante um directo. O caso de um Presidente da República que comenta a indumentária pouco resistente ao frio de uma mulher. Estes casos geraram um enorme rebuliço por tudo o que é sítio, e, como se sabe, actualmente, sítios e lugares são nas redes sociais. O mais interessante neste charivari é que uma parte dos homens – e também algumas mulheres, saliente-se – não percebem o que está a acontecer. A virtude masculina, a essência da virilidade, não estaria nessa capacidade de submeter as mulheres aos seus desejos, aos seus comentários? Agora, os homens já não podem ser homens? Esta questão terá aflorado em não poucas mentes.
Estes comportamentos não são negativos por infringirem a decência ou por estarem em desacordo com a gravitas que um Presidente deve ostentar a cada instante. Eles são negativos e dignos de censura porque atentam contra a autonomia de seres humanos, no caso de mulheres. O que implica a autonomia de um ser humano? Que seja respeitado na sua dignidade, a qual deriva da sua capacidade de escolher os seus fins. O que estes comportamentos põem em causa é a dignidade das mulheres, não porque tenham cariz sexual ou possam ser interpretados como brejeiros, mas porque não resultam de um consentimento daquelas que foram objectos deles. A moral que está em jogo não é a dos bons costumes, mas a moral da liberdade e do direito de cada um fazer as suas escolhas. Seja a escolha por quem se é beijado, apalpado ou como se deve vestir. A imoralidade desse tipo de comportamentos reside no facto de eles infringirem a autonomia de um ser racional.
E a virilidade dos homens, a sua virtude masculina? Vai desaparecer? Não estaremos perante uma ameaça à reprodução da espécie, como poderá defender um sexista? É um facto que uma certa cultura masculina está – e não é de hoje – em apuros. Contudo, a autonomia plena das mulheres é um desafio para a virtude masculina e para o exercício da virilidade. Respeitar a autonomia das mulheres, saber lidar, no plano amoroso e da sexualidade, bem como em todos os outros, com alguém que tem um estatuto igual e não com um ser submetido pela força ou pela tradição, exige mais dos homens, exige mais inteligência e subtileza, mas também tem a possibilidade de tornar as relações entre homens e mulheres, sejam elas quais forem, mais ricas e muito mais interessantes. Respeitar a autonomia das mulheres é um bem não apenas para as mulheres, mas também para os homens, tornando-os não menos homens, mas homens mais sagazes.
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