quarta-feira, 2 de julho de 2025

Militares e a doença da democracia


O prelúdio das eleições presidenciais é um sintoma da doença da democracia. Não bastava a existência de um candidato militar, com possibilidades de vitória. Surge a possibilidade de, ao lado da candidatura de um almirante, haver a de um major-general. Portugal está cheio de saudades dos tempos do PREC, quando os candidatos mais fortes à Presidência da República eram militares. No início dos anos oitenta, uma revisão constitucional acabou com o Conselho da Revolução e tornou o regime português numa democracia plena, civil e civilizada. Durante quarenta anos, a política era coisa de políticos, enquanto os militares tratavam dos assuntos militares.

Qualquer cidadão – incluindo os militares, desde que não estejam no activo – tem o pleno direito de se candidatar. Gouveia e Melo, o almirante candidato, e Isidro Morais Pereira, o major-general putativo candidato, estão no pleno direito, enquanto cidadãos, de serem candidatos à Presidência da República. O problema é que não se conhece, em nenhum deles, qualquer competência política. Têm uma completa virgindade política, uma inocência completa perante os dilemas que a gestão política coloca a quem ocupa a Presidência. São conhecidos do público: um, o almirante, pela boa gestão da distribuição e aplicação dos stocks de vacinas; o outro, pelo comentário militar na televisão. Podem ter currículos militares brilhantes, podem ser bons gestores de armazéns ou analistas militares, mas nada disso nos diz seja o que for sobre como vão lidar com um mundo em que o Presidente da República tem menos poderes que um almirante ou um general no seu ramo das Forças Armadas.

Se a candidatura de um ou dois militares, sem preparação política, é já um sintoma forte da doença da democracia portuguesa, aquilo que torna apetecíveis as suas candidaturas é decisivo para um diagnóstico dessa doença. A sua real vantagem eleitoral é não serem políticos, nada saberem daquilo a que se candidatam. Parte dos portugueses tem um problema com os políticos. As pessoas pensam que não vivem tão bem quanto desejam por culpa dos políticos. Os fracassos sociais e existenciais de cada um não são sua culpa, mas dos políticos, transformados em bodes expiatórios. A solução é escolher não políticos para os cargos que exigem políticos preparados. Isto é uma doença porquê? Por dois motivos: em primeiro lugar, porque as pessoas continuam a acreditar que têm de ser os outros – os políticos – a tratar da sua vida; em segundo, porque essa crença leva a escolhas pouco razoáveis de pessoas sem qualquer preparação para cargos altamente exigentes.