Ana Peters - Divertimentos bajo cristal (1966)
Eu sei que a ideologia é como Deus. Está em toda a parte e cuida de
nós. No entanto, ao cuidar de nós, a ideologia, seja ela qual for, tem por
condão enviesar o nosso olhar, a forma como interpretamos o mundo e seleccionamos
os imperativos que comandam as nossas acções. Uma pessoa que sofra de uma
qualquer doença deseja, acima de tudo, curar-se dessa doença ou, em caso de ser
impossível erradicá-la, diminuir-lhe ao máximo os efeitos nefastos.
Podemos pensar a ideologia como uma doença, uma doença cognitiva que
nos faz confiar em crenças que, por norma, pouco têm a ver com a realidade. O
normal seria que cada um de nós procurasse, por todos os meios, curar-se da
doença. Sabemos que a ideologia, como uma doença crónica, não pode ser
erradicada completamente, mas seria expectável que estivéssemos todos
empenhados em diminuir-lhe os efeitos nefastos que ela tem sobre o sistema das
nossas crenças.
A verdade, contudo, é que a generalidade dos seres humanos –
fundamentalmente, aqueles que se interessam pela política – gosta de estar
doente. O problema da ideologia não reside tanto nela nos enviesar a compreensão
do mundo, mas no facto de nos tornar tão dependentes que queremos permanecer
doentes, cada vez mais doentes, de tal forma que se tem honra na patologia que
nos atinge e exibimo-la não com o pudor recomendado mas como se ela fosse uma
medalha ganha na alta competição ou um troféu de caça.
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