A minha crónica no Jornal Torrejano.
Agora que Rui Rio tomou conta do PSD, falemos de quem sai.
Passos Coelho recebeu o país das mãos de Sócrates numa situação terrível e com
um programa de resgate de dureza desnecessária imposto pela troika. E aqui começa o equívoco de
Passos Coelho. Não apenas deixou transparecer que aquele programa da troika, apesar de negociado com
Sócrates, era o programa de governação do PSD, como fez saber que pretendia ir
além da troika, ser mais castigador
dos portugueses do que os representantes dos credores. Num país frágil como
Portugal, isto soou a muitos sectores sociais como pura provocação e mesmo uma
espécie de revanchismo contra alguma igualdade social que o pós 25 de Abril e a
adesão à CEE – agora União Europeia – trouxeram.
Aliado a isto veio toda uma retórica putativamente neoliberal,
sustentada pela comunicação e redes sociais, blogosfera e grupos de jovens de
aparência liberal e alma autoritária. Toda esta parafernália verbal assentava
no puro desconhecimento do país, em leituras apressadas e num desejo
indisfarçado das novas gerações da elite encontrarem pontos que lhes
permitissem, como vingança social, fazer crescer as desigualdades. E contra
tudo o que a prudência aconselhava, Passos Coelho deixou-se envolver neste lixo
ideológico, o qual transpareceu muitas vezes nas suas palavras, criando
ressentimento em grande parte população.
Passos Coelho perdeu uma grande oportunidade, talvez a maior
desde o 25 de Abril, de reformar o país. O choque da governação Sócrates abriu-lhe
uma porta para alterar a relação dos portugueses com o Estado e de criar
relações sociais mais livres, onde autonomia e iniciativa individuais fossem decisivas.
Ora, em vez de um discurso unificador dos portugueses perante a catástrofe
(Sócrates e a troika) e a necessidade
de um outro caminho, Passos Coelho preferiu um discurso ideológico agressivo,
criador de divisões e de louvor à troika.
Decidiu fechar a porta que lhe tinha sido aberta.
Isto não significa que o governo de Passos Coelho se pudesse
eximir a cumprir o acordo de resgate com a troika.
Nenhum governo o podia fazer. O cumprimento do memorando é um mérito que recai
em Passos Coelho. Além disso, porém, deveria ter feito outras coisas. Por um
lado, ter-se mostrado mais preocupado com o destino dos portugueses e, por
outro, ter aproveitado a situação para arrumar o Estado e as relações entre
este e a sociedade civil. Não fez uma coisa nem outra. Passos Coelho enredou-se
em equívocos ideológicos que o conduziram para fora da governação e, agora, da
liderança do PSD. Nem um grande estadista nem um terrível demónio social, apenas
um fruto equivocado da ideologia.
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