Apesar da situação actual ser radicalmente diferente daquela
que, durante a I República, conduziu Sidónio Pais ao poder, o país caiu, sem
dar por isso, num novo sidonismo. Sidónio, de forma turbulenta, tal como eram
os tempos de então, liquidou o parlamentarismo republicano e instaurou um
regime presidencialista. Marcelo Rebelo de Sousa, sem questionar a constituição,
está, pelo seu talento pessoal e pela inabilidade dos partidos políticos e do
governo, a construir um presidencialismo não de direito mas de facto. À
primeira vista tudo se mantém igual ao que sempre foi. O primeiro-ministro é o
responsável pela governação, a
Assembleia pelo processo legislativo e o Presidente da República continua com
os mesmos poderes limitados dos seus antecessores. Aparentemente.
Percebe-se, desde muito cedo, que Marcelo Rebelo de Sousa
tem como projecto determinar a governação do país. Fá-lo não pela subversão do
regime, mas dentro do quadro constitucional, tirando partido da ambivalência do
semipresidencialismo. A relação directa com os cidadãos, o clima de
cumplicidade e de tutoria do povo que ele, mal eleito, começou a construir
dão-lhe legitimidade suficiente para aniquilar qualquer desafio que um qualquer
governo lhe lance. O momento decisivo em que o regime se torna efectivamente
presidencial é o da tragédia dos incêndios. Se até aí o governo já tinha pouca
margem de manobra, a partir da segunda vaga de incêndios deixou de ter qualquer
independência relativamente aos desejos políticos de Marcelo Rebelo de Sousa. O
governo começou por ser uma iniciativa da esquerda maioritária no parlamento. Hoje,
ao perder a autonomia face a Belém, é o governo do Presidente da República.
Presidencialismo e uma relação directa com o povo foram
características centrais do sidonismo. Também a actual relação da população com
os partidos políticos é semelhante à existente no tempo de Sidónio. Perante as inabilidade
e maquinações dos partidos e a cada vez menor consideração que a população lhes
vota, o Presidente, pai e pastor do povo, trata-os de forma professoral e
condescendente, exercendo um nunca confessado poder executivo real. Sem sujar
as mãos, Marcelo Rebelo de Sousa realiza o seu velho sonho de governar, embora
por interposta pessoa. As próximas eleições legislativas não têm já a ver com
quem os portugueses escolherão para governar. Elas vão decidir através de quem,
pessoas e partidos, Marcelo Rebelo de Sousa irá continuar a governar o país. Um
novo sidonismo. Suave, cheio de afectos e de paternalismo.
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